As obras de B. Traven (final)

O “Ciclo da selva” é formado por seis romances em torno dos desastres humanos, políticos e ambientais durante a extração do mogno no México
B. Traven por Thiago Lucas
01/09/2024

Na década de 1930, B. Traven dá início ao chamado Ciclo da selva, uma série de seis romances em torno dos desastres humanos, políticos e ambientais experimentados no processo de extração do mogno (“caoba”), madeira nobre encontrada nas terras indígenas da região de Chiapas, no sudeste mexicano. São eles:

Die Carreta [A carreta]
Primeiro volume do ciclo, Der Karren, mais tarde reintitulado como Die Carreta, tem como protagonista um indígena escravizado por um fazendeiro e depois pelo proprietário de uma companhia de carretas de transporte. A sua vida sofre uma dupla peripécia ao conhecer uma garota indígena em fuga e saber do destino do pai levado para as terríveis monterías, isto é, verdadeiros campos de concentração para onde eram conduzidos os indígenas condenados a trabalhar na extração do mogno.

Em alemão, o livro foi publicado pela Büchergilde Gutenberg em 1931. Apareceu na primeira lista negra nazista de autores indesejados em 1933, e foi um dos três romances de B. Traven confiscados “para a proteção do povo e do Estado”. A primeira edição em inglês é de 1935. A primeira em espanhol, de Montevidéu, sem data, aparece entre 1937 e 1946. No México, La carreta foi traduzida do inglês por Esperanza López Mateos, e saiu pela Compañía General de Ediciones, em 1949. Mais tarde, o livro também recebe tradução de Rosa Elena Luján, última mulher de B. Traven (México, Conaculta, Dirección General de Publicaciones, 2014).

Regierung [Governo]
O segundo volume do ciclo trata da corrupção policial que penetrava todos os povoados mexicanos, com foco na ação de um agenciador de mão de obra que prende índios por débitos, como acontecera ao pai do indígena de A carreta, enviando-os em seguida às plantações de mogno controladas por empresas de capital estrangeiro. Também como no romance anterior, o cerne do livro está no choque de culturas entre a dignidade simples dos índios iletrados e o cinismo e a corrupção dos políticos e burocratas.

Em alemão, Regierung foi publicado em Zurique, pela Büchergilde Gutenberg em 1931. A primeira edição em inglês apareceu em 1935; a primeira em espanhol em 1951, sendo que a segunda foi traduzida do inglês por Esperanza López Mateos (México, Compañia General de Ediciones 1958).

Der Marsch ins Reich der Caoba [Marcha ao império da Caoba]
O terceiro volume do ciclo continua a descrever a dura vida dos indígenas mexicanos na época da ditadura de Porfirio Díaz, que eram contratados, presos ou sequestrados e logo postos a marchar, sob a guarda armada, em direção aos temidos campos de trabalho da indústria do mogno, dos quais poucos regressavam com vida.

 Der March ins Reich der Caoba é publicado em 1933, pela Büchergilde Gutenberg, em Zurique. A primeira edição em inglês sai apenas em 1961, com base numa tradução do próprio Traven. A primeira edição em espanhol, Marcha al imperio de la caoba, é traduzida por Rosa Elena Luján (México: Editorial Diana, 1973).

Trozas [Toras]
O quarto volume do ciclo especifica o trabalho dificultosíssimo de obtenção das toras, ou troncos de mogno, com base no trabalho escravo de indígenas sequestrados e confinados nas monterías, onde ao menos três quartos deles perdiam a vida. Nesse quadro desesperado, cresce entre os sobreviventes a ideia de que apenas o enfrentamento dos guardas do campo poderia lhes fornecer alguma saída daquele inferno. Prepara-se uma revolução na selva.

Trozas foi publicado em Zurique, pela Büchergilde Gutenberg, em 1936. O romance foi traduzido para o inglês apenas em 1994, pela Faber and Faber.

Die Rebellion der Gehenkten [A rebelião dos pendurados]
O quinto romance do ciclo trata do castigo aplicado aos trabalhadores que não cumpriam a sua quota diária de extração do mogno. Eram então pendurados de cabeça para baixo nos galhos das árvores e deixados lá, por toda a noite, à mercê dos animais selvagens. A crueldade desse tratamento acaba dialeticamente alimentando a rebelião contra os patrões, num processo em sincronia com o que se processava na capital contra o próprio ditador Porfírio Díaz.

 A primeira edição alemã se intitulava Die Rebellion der Gehenkten (Zurique, Büchergilde Gutenberg, 1936); a primeira em espanhol, La rebelión de los colgados (México, Insignia, 1938). Há ainda as traduções de Esperanza López Mateos (México, Selector, 1950) e a de Rosa Elena Luján (México, Selector, 2018). A primeira em inglês, The Rebellion of the Hanged, é de 1952. Existe também uma tradução brasileira, A rebelião dos torturados, feita do inglês por Carlos Alberto Oliveira Santos (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965).

Ein General kommt aus dem Dschungel [Um general sai da selva]
O livro que fecha o ciclo trata do jovem indígena que lidera os índios escravizados, através de uma sucessão de batalhas nos campos.

Publicado pela primeira vez em 1939, em sueco, como Djungelgeneralen, por Axel Holmströms Förlag, em Estocolmo. A primeira edição em alemão, Ein General kommt aus dem Dschungel, saiu em Amsterdam, pela Allert de Lange, em 1940. Em inglês aparece em 1954, e em espanhol apenas em 1966, pela Compania General de Ediciones.

Macário
 A novela emula um conto de Grimm (Madrinha morte) bem como lendas do folclore mexicano. Trata da aventura de um homem paupérrimo, cujo maior desejo é comer um peru sozinho, e que, durante o banquete, recebe visitas imprevistas e poderes sobrenaturais.

Foi publicada em alemão, pela Büchergilde Gutenberg, de Zurique, em 1950. A primeira versão em inglês, The healer, aparece em 1953 na revista Fantastic, e é reimpressa em The best american short stories de 1954. A primeira edição em espanhol é de 1960.

Aslan Norval
Além da sequência da sequência anterior das narrativas, proposta em 1952 pelo próprio Traven, ele ainda escreveu Aslan Norval, um romance que alguns duvidam ser dele, mas que não vejo motivo forte para considerar dessa forma. Ainda mais porque mantém a tradição das mulheres fortes de B. Traven, sendo talvez a mais interessante delas. A protagonista é uma herdeira norte-americana, que deseja construir um canal através do território continental dos Estados Unidos.

O romance foi publicado pela primeira vez em alemão em 1960 (Munique, Desch). Em inglês, foi editado em 2020 (NY, Straus and Giroux. Em italiano recebeu o título de Il canale (Milão, Longanesi, 1961).

Além dessas obras, há outras, das quais citaria A criação do sol e da lua, recriação de uma lenda de indígenas tzeltales; Der Ziegelbrenner, jornal anarquista editado por ele em Munique, na Alemanha, de 1917 a 1921, sob o pseudônimo de Ret Marut; A terra da primavera, um relato de suas viagens pelo México, com fotografias tiradas por ele mesmo; B. Traven’s Totenschiff, que é uma adaptação teatral d’O navio da morte. Para quem lê alemão, existe uma edição econômica de sua obra, em 15 volumes, da Büchergilde Gutenberg.

Pra cima dele, pessoal!

Alcir Pécora

Crítico literário, é autor de Teatro do Sacramento (1994); Máquina de gêneros (2001) e Rudimentos da vida coletiva (2002). É organizador de A arte de morrer (1994), Escritos históricos e políticos do Padre Vieira (1995), Sermões I e II (2000-2001); As excelências do governador (2002); Lembranças do presente (2006); Índice das coisas mais notáveis (2010); Por que ler Hilda Hilst (2010). Editou as obras completas de Hilda Hilst (2001-2008), Roberto Piva (2005-2008) e Plínio Marcos (2017).

Rascunho