Um ano de luto e literatura

Obras que falam sobre o luto de diversas maneiras, incluindo títulos de Freud, Joan Didion, Rosa Montero e autores nacionais
Ilustração: Carolina Vigna
01/12/2021

A vida muda rapidamente.
A vida muda em um instante.
Você se senta para jantar, e a vida que você conhecia termina.
Joan Didion, O ano do pensamento mágico

Neste ano em que a palavra luto infelizmente fez parte da vida de todas e todos nós, a literatura, o cinema, a música, a arte, de forma geral, foi uma companhia reconfortante. Em 2021, ganhei e perdi uma afilhada linda, filha da minha única irmã, Camila, e de seu marido, Pedro.

Quero dedicar essa minha última coluna do ano à minha amada sobrinha, sobre quem e para quem ainda é muito difícil escrever. As palavras são tão insuficientes, soam tão tolas e vazias. Mas, apesar disso, algumas pessoas talentosas e sensíveis, com visões diferentes da morte e do luto, conseguiram elaborar esse tema através da escrita.

Como não me sinto pronta para escrever sobre a minha própria experiência de luto, da experiência de luto da minha família, vou fazer aqui algo como uma lista dos livros que me acompanharam em 2021, publicados entre os séculos 20 e o 21, do início dos anos 1900 aos nossos dias. Quem sabe algum deles possa ajudar também você que me lê. A literatura não precisa e não deve ser útil, não como mero objetivo. Mas às vezes acontece de ser.

1.
Luto e melancolia, ensaio de Sigmund Freud publicado em 1917 que continua sendo uma referência tão importante para o debate contemporâneo. Recomendo a tradução de Paulo César de Souza, da Companhia das Letras. 

2.
O luto entre clínica e política: Judith Butler para além do gênero, de Carla Rodrigues, que faz uma intersecção muito interessante entre filosofia e psicanálise. Foi publicado pela Autêntica.

3.
O ano do pensamento mágico, de Joan Didion, que já se tornou um clássico contemporâneo. Li em português pela tradução de Marina Vargas, publicada pela HarperCollins. Didion escreve esse ensaio autobiográfico depois da morte repentina do marido, com quem dividiu praticamente toda a sua vida adulta. Pouco tempo depois, ela perdeu também a única filha dos dois, que vinha enfrentando problemas delicados de saúde havia tempos. Sobre essa perda, escreveu Blue nights, também publicado por aqui pela HarperCollins, com tradução de Ana Carolina Mesquita. Vale ainda assistir ao documentário Joan Didion: The center will not hold, dirigido por Griffin Dunne, sobrinho da escritora, que continua viva e ativa aos 86 anos. Faz 87 no dia 5 de dezembro.

4.
A ridícula ideia de nunca mais te ver, de Rosa Montero, que mistura a sua história pessoal de luto (também a perda do marido, companheiro de vida) à história da cientista Marie Curie. Como uma espécie de apêndice, está o próprio diário de Curie, que embora seja breve, é também imperdível. Além da grande cientista que era, premiada duas vezes com o Nobel, Curie mostra nesse diário (que trata da morte do marido e parceiro de pesquisas, Pierre Curie) a grande escritora que era. O livro de Rosa Montero foi publicado no Brasil pela Todavia, com tradução de Mariana Sanchez.

5.
O amigo, lindo romance de Sigrid Nunez, publicado em português pela Instante, com tradução de Carla Fortino. A narradora, uma das personagens literárias com as quais mais me identifiquei, compartilha conosco a história da perda de um grande amigo e a relação de amizade que estabelece com Apolo, cachorro que era dele e que ela acaba adotando. Uma leitura que não canso de recomendar.

6.
Notas sobre o luto, de Chimamanda Ngozi Adichie, breve ensaio autobiográfico traduzido por Fernanda Abreu e publicado pela Companhia das Letras neste ano. O livro é dedicado ao pai da autora, sobre quem escreve. Ela não sabia que, em seguida, perderia também a mãe. Gosto muito da honestidade da autora sobre a montanha russa de sentimentos que permeia a experiência de luto.

7.
Lili, novela de um luto, de Noemi Jaffe, uma das principais autoras brasileiras do nosso tempo, também colunista do Rascunho, que já havia escrito um texto muito bonito sobre o pai e agora publica essa novela, com inspiração autobiográfica, após a perda da mãe. Essa será a minha próxima leitura. Admiro muito a trajetória literária da escritora, de quem, além de leitora, já tive a alegria de ser aluna. O livro foi publicado pela Companhia das Letras em 2021. 

8.
O pai da menina morta, de Tiago Ferro, romance vencedor do prêmio Jabuti em 2019, publicado pela Todavia. Também com inspiração autobiográfica, o autor escreve sobre a experiência da perda de uma filha, recorrendo à ficção. Mais do que um livro sobre o luto, esse também é um livro sobre os limites e a potência da linguagem.

Por fim, para encerrar essa breve lista de leituras, deixo aqui um lindo poema de Carlos Drummond de Andrade para a minha sobrinha Flora. Amo você para sempre.

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Fabiane Secches

É psicanalista, crítica literária e doutoranda em Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo. Autora de Elena Ferrante, uma longa experiência de ausência (2020).

Rascunho