Cristóvão me garantiu que, se eu me dispusesse a visitar o ateliê de Tunder, e conseguisse me manter paciente até o aparecimento dos primeiros sinais, minha situação, que lhe parecia muito grave, poderia mudar. Não se deixe influenciar pelas primeiras impressões, ele me aconselhou. As vozes estridentes não perduram, ao contrário dos silêncios, que podem não motivar grandes obras, mas carregam consigo a sabedoria.
Não gosto quando Cristóvão se põe a fazer meditações em voz alta, gotejando pensamentos edificantes; talvez ele possua, de fato, um espírito profundo, mas o que a profundidade realmente significa? Em todo caso, até porque eu não dispunha de alternativas, me dignei a ouvi-lo e aceitei suas ponderações. Saí de sua casa, contudo, ciente de que talvez estivesse me entregando só a uma ilusão, e não a uma pista; ainda assim o ateliê de Tunder me pareceu, desde aquele momento, o lugar mais apropriado para ir. E fui.
Tunder estava na porta, gesticulava com violência e apontava uma certa direção para uma mulher que, à sua frente, baixa e descabelada, parecia retida em suas palavras. Conservei-me à distância, esperando que terminassem com aquilo, com aquela discussão em mímica, mas o sol me ardia as têmporas e, como demorassem, decidi me aproximar. Nem dera dois passos e Tunder, agarrando a mulher pela cintura, a beijou na boca. Ela aceitou o beijo mas, logo em seguida, o empurrou e fugiu.
As pessoas não suportam a verdade, Tunder me disse, assim que me aproximei. Comentário inconveniente, ou que pelo menos demonstrava certa ansiedade, já que nunca tínhamos nos visto. Assenti, só com um movimento de cabeça, e esperei que me convidasse a entrar. Eu pensava que só as mulheres têm repulsa à verdade, ele prosseguiu. Olhou-me, como se me acusasse de algo, ou me visse como uma mulher, e arrematou: _ Mas os homens temem a verdade ainda mais. E, logo depois, fez um gesto indicando o caminho para dentro.
Não sei por que motivo me dizia aquelas coisas, fui pensando enquanto ia pelo corredor que leva ao salão das telas. Tunder, não sei se expliquei, é um pintor extravagante, autor de telas imensas, e vazias. Num grande espaço branco, aparecem só três ou quatro traços em vermelho, e ainda a um canto um emaranhado muito nevoento de azuis, num quadro que ele chama apenas de “Torpor”. Em outra tela, inteiramente negra, que ele batizou de “Tentação”, nada mais se vê, a não ser quando, tomando certa distância, é possível notar que as fendas químicas da própria tinta criaram, à revelia do pintor, uma faixa de luz, muito delicada, mas inquestionável. Todas as telas de Tunder são batizadas com nomes iniciados pela letra T, o que dá a medida de seu narcisismo. Qualidade, evidentemente, que ele nega.
Eu contemplava uma dessas telas incompreensíveis quando Tunder me trouxe uma xícara de café. Em que posso ajudá-lo? _ perguntou. O caráter de sua voz era desinteressado, tedioso; depois da última sílaba, permaneceu um longo tempo com a boca aberta, como se outras palavras ainda forçassem sua garganta em busca de uma saída, mas os lábios grossos as impedissem de se converter em sons. Um amigo me aconselhou a visitar seu ateliê, eu disse. Busco uma certa coisa, ainda disse, sem esclarecer o que era.
Nada me perguntou a respeito, limitando-se a sugerir que eu tirasse o paletó e ficasse à vontade. Foi o que fiz. Tunder se acocorou diante de um mostruário e, enquanto ele escolhia cores, percorri lentamente o ateliê, observando primeiro as telas expostas nas paredes, depois aquelas guardadas sobre cavaletes e, por fim, uma a uma, os rascunhos, as inacabadas, os esboços que se empilhavam contra as prateleiras. Tudo amplo, repetitivo, monótono; aqui e ali, detalhes que às vezes me surpreendiam, é verdade, sem que nenhum deles, contudo, configurasse uma resposta, qualquer resposta, à minha busca.
Lembrei-me que Cristóvão enfatizara que eu devia ser paciente, pois sem ela todo esforço seria inútil. Pois bem, pensei, vou continuar a circular pela sala, sem nada mais procurar, até que minha sensibilidade se habitue às visões de Tunder e aí, quem sabe, alguma coisa me será revelada.
Você é um sujeito esquisito, Tunder me disse, depois de um longo silêncio, e mascando as palavras; parecia um homem que fala para, falando, cometer um crime; sim, sua entonação era a de um assassino, e se ninguém mais havia por ali, eu devia ser a vítima. Você está só passando por uma fase ruim, ainda acrescentou, sem justificar o que dizia.
E era a pura verdade, mas eu não iria devassar minha vida e meus problemas íntimos para um desconhecido. Se a verdade viesse, que viesse por si mesma, por sua própria vontade, bruta, a romper meu espírito. Era o conselho de Cristóvão (Mantenha-se quieto, ele disse, aprenda a esperar, não se afobe), era o que Tunder me dizia (mesmo sem me dizer, mesmo emburrado diante das cores), era o que eu mesmo pensava, aliás.
Até que topei com uma pequena aranha que, muito lentamente, escalava a borda de uma tela que, Tunder me disse depois, se chamava “Homem sentado de costas”. Estranhei que, contrariando os princípios de meu anfitrião, o título não começasse pela letra T. Só que não havia homem algum, de costas ou de frente, sentado ou de pé, mas você sabe, querida Vânia, como são esses artistas. Eles percebem coisas que não podemos ver, que simplesmente não existem, e nisso, na mentira, está sua arte. Cristóvão não devia estar mesmo bom da cabeça, pensei. Como a verdade poderia emergir num ambiente nefasto (como um ateliê), um espaço dedicado à impostura?
Mas lá estava a aranha, lenta, odiosa, a subir pela tela, até que estancou. Só depois notei que, como as patas tremiam, aquilo não tinha sido uma decisão, ao contrário, ela estava presa. Segura a uma teia de tinta, uma teia feita não por aranhas, mas pelo homem. Uma armadilha, Vânia, e das piores. Tunder logo entendeu que eu estava interessado na tela e me disse: _ Se quiser, lhe dou de presente. Mas onde eu guardaria uma tela daquela dimensão?
A aranha parecia desistir, já não se movia com a mesma obstinação, suas forças se esgotavam, quando decidi salvá-la. Com um lápis, de ponta muito fina, puxei a primeira pata, depois outra, e ainda outra, até que, medindo mal minhas forças, eu a matei.
Dei um grito, um palavrão. Tunder se virou e disse: _ Saia imediatamente daqui! Eu o atendi, e me arrastei devagar, levando comigo o lápis, e em sua ponta a aranha massacrada; na calçada, já que odeio sentimentalismos, eu o atirei na primeira lixeira.
Foi tudo inútil, eu disse a Cristóvão, depois de lhe relatar minha visita ao ateliê. Tunder deve achar que sou um louco. E você, o que acha? Você é? _ ele perguntou. Não, não sou, respondi e, ao fazer essa afirmação, tão banal, com sílabas que estalavam como suspiros, recuperei a serenidade e lhe dei as costas. (FIM)