Quando pedi um táxi, o violoncelista se aproximou e disse: “Para que um carro, se Lagos é logo ali?” Olhei para o gerente, que também me olhava, mas sua expressão era indecifrável. Por isso continuei a ouvir o músico. Para chegar ao Jardim das Telhas, bastava descer a estrada em direção à represa, tomar a segunda ponte e atravessar uma pequena planície, ele detalhou. Um pouco mais à frente, eu encontraria uma igreja com um relógio invertido, em que os ponteiros giram ao contrário. Ali é o centro de Lagos, ele disse. O jardim, que guarda a mais bela coleção de cactos da província, começa logo depois. Em vinte minutos de caminhada lenta você estará lá, o violoncelista me garantiu. Para que um táxi, se pode fazer um pouco de exercício?
Comecei minha caminhada rumo a Lagos, a vila histórica dos Entalhadores, local da chamada Revolta Azul, cheio de disposição. Sou curioso a respeito de cidadezinhas perdidas, que os turistas costumam ignorar. No Jardim das Telhas, você entenderá por que os entalhadores lutaram pela independência, o violoncelista me disse ainda. Se sair agora do hotel, chegará em menos de quarenta minutos. Não vale a pena? Andei durante meia hora, observando as iguanas que cruzavam o caminho, e não vi ponte alguma. Até porque, uns cinco minutos depois de minha partida, o rio se lançou para um lado e a estrada, inesperadamente, como se dele se esquivasse, deslizou para o outro. Mas só havia uma estrada, a rota menor que, depois de Lagos, se embrenha no deserto e ruma para o norte; em conseqüência, eu não podia estar na direção errada.
Depois de se afastar do rio (mas não era na represa que o rio devia desaguar?), a estrada menor descia em ziguezague irregular, coberta de cactos com as folhas dentadas, e rumava, insegura, em direção à planície. Talvez no meio do trajeto ela retomasse seu curso, eu pensei, e enfim chegaria à represa. Não havia placas, ou qualquer sinalização, apenas uns postes escuros que sustentavam a fiação de luz. Mas não havia luminárias, de modo que, com aquelas curvas desprovidas de acostamento, seria quase impossível viajar durante a noite. Só que ainda era de manhã. Não devo me deixar tomar por pensamentos descabidos, pensei. E tratei de olhar para a frente.
O violoncelista, que chamam apenas de Zuto, vive na Cidade de Quevedo, mas nasceu em Lagos. Além disso, passa grande parte do ano na região, recolhido num sítio sem luz, onde trabalha em suas composições de vanguarda. Por que iria se enganar, ou me enganar? Talvez fosse um homem de hábitos atléticos e por isso considerasse a distância que nos separava da vila quase desprezível, eu pensei. Mas, com aquelas mamas femininas apertadas sob o colete de cetim, e aqueles lábios de glutão, tinha, ao contrário, a aparência de um sujeito indolente. Quarenta minutos, ele disse: mas eu já andava há mais de uma hora. E olha que eu caminhava rápido, com passadas cada vez mais largas, usando o fôlego que acumulei praticando Tue Wu.
Que estúpido fui, por que não chamei um táxi? Por que confiei nas palavras do músico? Ia pensando coisas assim quando avistei, bem na borda da estrada, um vendedor de galinhas. As aves, muito nervosas, se jogavam contra a precária armação de arame que sustentava seus caixotes, dando pinotes no ar. Sobre a mesa, havia uma balança, um facão de açougueiro e uma tigela cheia de sangue. Eram garnisés, brigonas e tagarelas; mas, quando me aproximei mais um pouco, talvez temendo a sombra desconhecida de meu corpo, elas silenciaram. Parece que gostaram de você, o vendedor de galinhas comentou, sem muito entusiasmo. Pouco entusiasmado eu também com o elogio, perguntei quanto tempo faltava para chegar a Lagos. Uma bobagem, ele respondeu. Está vendo aquela árvore alta, de copa arrebitada, que se destaca na paisagem? Pois é logo depois. E falou com tanta convicção que preferi mudar de assunto. O senhor vende muitas galinhas?, perguntei então. Aqui ninguém se interessa por galinhas, ele respondeu. Agachou-se, escolheu uma ave mais gorda, que lembrava uma coruja, e a pegou no colo. Não desista, ele disse ainda, enquanto acariciava a garnisé. Você logo estará chegando. E beijou a galinha no bico.
Pois continuei a andar e nada. A vegetação, é verdade, foi se adensando, o que contrariava a descrição que me fora oferecida pelo guia turístico oficial da Província de Quevedo. Já não parecia mais um deserto. Talvez eu já estivesse no jardim, pensei, só que aquilo também não parecia um jardim. Em vez de subir, como ele dissera, a estrada continuava a descer. Logo depois da tal árvore, que deveria me servir de marca, havia uma infinidade de outras árvores, muito semelhantes entre si. Não marcavam coisa alguma. Ao contrário, repetidas e iguais, dispostas de modo desordenado na paisagem, impediam qualquer sentido de direção.
Voltei a procurar por alguma placa de sinalização que indicasse: Lagos. Mas era uma estrada antiga, abandonada depois que construíram a perimetral norte, e além de tudo muito feia. Atrás de mim, ainda ouvi a zoeira das garnisés que, sem a minha presença, recomeçaram a gritar. À minha frente, depois das árvores em fila indiana, só uma vegetação muito seca, na qual a estrada menor, num traçado inseguro, se enfiava. Talvez fosse melhor voltar, pensei. Amanhã tomo uma charrete emprestada e venho. Mas, contrariando esses pensamentos, meus pés continuavam a marchar.
No meio desses pensamentos, um trovão espocou no horizonte. Vi quando nuvens grossas, como novelos, se enfileiraram ao longo das copas, bem na direção de Lagos, ou em que Lagos devia estar. Ainda essa, pensei. E, se chover, não terei como me proteger. É verdade que a terra seca não confirmava a possibilidade de chuvas. Em Lagos, a população vivia em grandes dificuldades, os poços vazios, as flores murchas, as caixas d’água transformadas em dormitórios para cabras. Não ia chover, me acalmei. Eram só raios perdidos, a espocar a muitos quilômetros de distância. Até que uma bala passou zunindo ao meu lado.
Ouvi quando a voz disse: “Agora para norte!” Ouvi galopes de cavalos, mas fui tragado por uma nuvem de poeira e nada mais pude ver. Outras balas cruzaram o espaço que me separava de Lagos. Ainda não disse que, antes de ter esses pensamentos, joguei-me no chão, a cabeça protegida pelos braços em cruz, o gosto de areia na boca. “Vamos avançar!”, outra voz ordenou, mas eu nada via. Ouvia os galopes, ouvia os gritos, sentia a proximidade do desastre, nada mais. Vou morrer pisoteado pelos cavalos, pensei ainda. Mas logo os gritos vigorosos silenciaram. Quando dei por mim, estava deitado, os braços e as pernas esparramados, a pose de nadador em meio a um mergulho. Custei a me erguer.
Andei mais um bom tempo até encontrar o Casal Silva. Assim, como dois seres acoplados, eles são conhecidos nas imediações da represa. O Casal Silva tem muitos filhos, todos sujos, magros e com barrigas desproporcionais. Só comem farinha e macarrão. “Pobre homem”, a senhora Silva comentou antes de me oferecer uma concha de água barrenta. Carregando-me nas costas, o Sr. Silva me levou para seu casebre e me estirou numa cama. Dizem que dormi mais de doze horas. Quando acordei, já amanhecia. Só então, com uma xícara de café nas mãos, relatei meu encontro com a cavalaria. Os Silva me ouviram em silêncio. Depois, dirigindo-se ao marido, como se eu não estivesse mais ali, a mulher se limitou a dizer: “Coitado do moço”. Não sou moço, já passo dos sessenta anos. Sim, pobre de mim, eu pensei, voltando a fechar os olhos.
E agora que aqui estou, numa espreguiçadeira, à beira da piscina do hotel, posso pensar que tive muita sorte. O ônibus para a Cidade de Quevedo parte amanhã, ainda de madrugada. De Quevedo, tomo um avião para Trujillo, pensei. Será uma viagem rápida, que não levará mais que quarenta minutos, pensei ainda — mas este pensamento me encheu de aflição.