Chegamos de madrugada. Parece que choveu muito. É a quarta cidade em que, no quarto dia consecutivo, eu desembarco para dar uma oficina de escrita. Onde estarei? Em minha mente, as cidades se misturam. No Paraná profundo, todas se parecem. Mas já não importa saber onde estou. É chegar, dormir, dar minha aula e partir. E depois chegar a uma cidade vizinha, em que tudo se repete.
O hotel é uma cópia de todos os hotéis em que já nos abrigamos. A recepção vazia, a decoração antiga, o desânimo. O rapaz da portaria repete as feições mecânicas de todos os recepcionistas. A noite é escura e quieta, como todas as noites. Viajo, viajo, mas não saio do lugar.
É subir, me instalar e dormir. O rapaz me mostra a geladeira, diz que o ar-condicionado está com defeito, abre a porta do banheiro. Acrescenta que o café da manhã é servido a partir das seis. São duas e meia da manhã. Quero dormir logo, mas antes preciso de um banho quente. Minhas roupas fedem a graxa e a poeira.
Já enrolado em uma toalha, me olho no espelho. Olheiras que imitam poços. Feições murchas, como frutas velhas. A palidez da exaustão. Não é só a estrada, é a idade. Não tenho mais idade para aventuras literárias. Digo sempre as mesmas coisas, exatamente as mesmas coisas. Dou os mesmos exemplos, conto as mesmas histórias, cito os mesmos autores. Ainda assim, os alunos se envolvem. Anotam sem parar. Não posso decepcioná-los.
Livro-me da toalha e me arrasto em direção ao boxe. Empurro a porta. Algo a prende. Não pode ser. Não pode ser, mas é. Dentro do boxe, encolhido à parede, está um filhote de porco. Fecho a porta sem pensar, na esperança de que ele desapareça. Bem devagar, abro-a de novo. Lá está o porco, que agora me olha com desconfiança, mas também ternura. Sempre gostei de animais. Ainda assim, o que fazer com esse porco? Como explicá-lo? Como me convencer de que ele existe mesmo?
Em busca de socorro, ou ao menos de uma explicação, telefono para a portaria. Ninguém atende. Em plena noite, a realidade está morta, só o porco respira. Toda a vida, àquela hora, se concentra no porco. Agora acho que ele sorri e seus olhos latejam. Ou serão os meus? Através do vidro do boxe, piscam pequenas luzes, muito rápidas, que talvez sejam estrelas, talvez vaga-lumes. Talvez sejam só o meu cansaço.
Ninguém me ajudará, preciso resolver isso sozinho. Para tomar banho, devo, primeiro, me livrar do porco. Mas onde colocá-lo? Em minha cama? Dentro do armário? No canto do banheiro vejo um balde. Será que ele espera pelo porco? Ocorre-me que o animal, porque é gordo, não caberá no balde. Penso em chamar meu motorista, mas ele se hospeda em outro hotel. Talvez durma mesmo no carro — os empresários poupam moedas.
Até que, do nada, me vem o nome de João Rath. Foi meu grande mestre. Está morto, mas ainda posso evocá-lo e lhe perguntar — me perguntar — o que ele faria nessa situação. “Não brigue com os fatos”, ele me diz. “Também não os aceite.” Recomendava que, diante do imprevisto, a primeira coisa a fazer é não fazer nada. É esperar. “Não seja ansioso”, dizia. “A própria realidade se encarrega de resolver o problema que você criou.” Eu criei?
João Rath, meu mestre. Meu único e grande mestre. Reclamava que os jornalistas são agitados e tensos. Que esbarram na realidade, empurram-na, atropelam-na, em vez de examiná-la com delicadeza. Que a abocanham — como porcos famintos. Dizia que, ao contrário, o importante é sentar-se e esperar. Sim, recuar, deter-se, observar. A imobilidade é o caminho. E é o que trato de fazer. Deixo a porta do boxe aberta, recuo e me sento na borda da banheira. E aqui estou, olhando o porco que me olha. Para ele também, pobre animal, não passo de um enigma.
O sono aumenta, mas não posso desviar minha atenção do porco. A voz de Rath repete: “Resista e espere. Se esperar, algo irá acontecer”. Mas, na noite profunda, o hotel em silêncio, nada acontece. E se o porco cair no sono? O que fazer com um porco que dorme? Não há sentido prático algum no que faço — ou no que deixo de fazer. Mas Rath insiste: “A prática é uma tolice. Só interessa aos desportistas. O homem comum ganha mais com a inércia”.
O porco está quase dormindo. Ainda mantem os olhos abertos, ainda me vigia, mas a grande custo. Não me importa saber como um porco foi parar dentro de um boxe. A questão das origens interessa aos filósofos e aos místicos, não a mim. Sou pragmático: quero saber o que faço com o porco que me olha. Espero por uma resposta, que não vem. Até que me ocorre: e se, simplesmente, eu não fizer nada? Desistir do banho, deixar o porco em seu canto e voltar para a cama?
Já estou debaixo do cobertor. Deixei a porta do banheiro trancada, porque não quero esbarrar em um porco no meio da noite. Se precisar urinar, seguro. Não quero atrapalhar o porco. Ser um porco preso em um boxe de banheiro já é uma carga pesada demais. Tento pensar em outra coisa. João Rath contava a história de uma vaca, que foi vista imóvel, congelada, sozinha, em meio ao campo. Estava viva. Talvez hipnotizada. É possível hipnotizar uma vaca?
O que fizeram com a vaca já não me lembro. É uma história inútil. Não me ajuda nem um pouco a conviver com meu porco. Imitando os monges, Rath me diz para esvaziar a mente. Eu tento. Mas como esvaziar a mente quando se tem um porco dentro do banheiro? Perguntas me atropelam. Dúvidas inúteis. Pego no sono.
No dia seguinte, me levanto exausto e atrasado. Não terei tempo sequer para o café. Preciso pelo menos tomar uma ducha para despertar. Só debaixo da água quente, aliviado, me dou conta: o porco desapareceu. Ainda vigio se a janela do boxe está bem trancada. Tolice: porcos não voam. Examino também a tampa do ralo. Estupidez: um porco jamais passaria por ali. Desisto de pensar, termino o banho e corro para a portaria. O motorista já me espera. Me dá bom dia.
Já estamos a caminho da faculdade onde darei minha aula quando ele me pergunta: será que existem pontos de jogo do bicho nessa cidade? Pergunto que utilidade eles teriam. “Acontece, professor, que essa noite sonhei com um porco.” Silencio.