Estou na sala de espera de um médico. Machuquei o braço, preciso de um raio X. A sala está cheia, vai demorar. Para me distrair, por vício, passo a observar as pessoas à minha frente. Bem diante de mim, está um homem grande, de face afogueada e orelhas tortas, sustentadas por um pescoço que mais parece um tronco. Veias negras, como formigas, descem em direção a seu peito. O nariz tem a forma de um bico. Tudo nele remete ao mundo natural. Não aos encantos, mas à brutalidade da natureza.
Veste um paletó social que, mesmo surrado, não combina com sua rudeza de camponês. As sandálias, meladas de terra, denunciam a incompatibilidade entre os dois. Tudo nele, como em uma avalanche, despenca. E esse desmoronamento, que não consigo deixar de ver, logo me provoca um estranho desgosto. O estômago embrulha. Seguro a náusea, respiro fundo, mas continuo a investigar o homem. Preciso descobrir o que nele me afronta. Seu olhar e seu desamparo me incomodam. Por quê?
O que espero de um homem que espera em uma sala de espera? Falo também de mim, ansioso e amuado, preso à mesma esperança. Vão demorar a nos atender. Vem-me, então, a vontade insensata de perguntar ao homem como ele me vê. Pedir que ele faça a gentileza de me dizer quem sou. Pobre homem, não me entenderá e me tomará por louco. Essas são perguntas que só fazemos às escondidas. São perguntas indecentes, que rompem o equilíbrio da existência. Não se fazem, não devem ser feitas, e por isso não farei.
A pergunta, contudo, continua a me arder a garganta, mas, de meu interior, não vem resposta alguma. Só agora, quando o homem a deixa cair no chão, percebo que ele se abraça a uma pasta. Quando se abaixa para apanhá-la, o paletó se esgarça às suas costas, prestes a se romper. Não é só um paletó usado, é um paletó comprado em uma loja de usados. Ou herdado de algum falecido da família. Um sinal de penúria e de dor.
Custa a alcançar a pasta caída a seus pés, pois a barriga o atrapalha. Vem-me o medo de que ele se desequilibre e role no chão. Medo, ou desejo? Tudo pode acontecer com esse homem. As orelhas estão ainda mais vermelhas. A qualquer momento, ele pode explodir. Tentando ser melhor do que sou, ergo-me e digo: “O senhor quer ajuda?”. Desempenho o papel errado, pois sou bem mais velho do que ele. “Pode deixar”, ele se limita a dizer, erguendo o rosto. Volto a meu lugar. Que se dane. Que despenque como uma árvore velha e se esparrame no chão. Mas por que sinto tanta raiva do sujeito? O que no pobre homem me incomoda tanto?
Um dos atendentes chama: “Senhor José Manuel”. O homem imediatamente se levanta e vai até o guichê. Tudo se passa a meu lado, posso ouvir a conversa. “Falta um documento”, o rapaz diz. “Falta seu CPF.” O homem começa a remexer na pasta, mas não encontra o que procura. “O RG não basta?” O recepcionista, que usa um brinco ameaçador em forma de foice, avalia: “Não, seu RG não traz o CPF”. Fala com tom de autoridade — como se o homem, a qualquer momento, pudesse ser preso. Faz cara feia. Será que vai colocá-lo de castigo? Procuro as algemas, não existem algemas. Preciso controlar meus pensamentos. Eles me esfaqueiam e eu os desconheço.
Também eu visto um paletó social. Só que, em vez de sandálias, calço sapatos novos e escovados. Meu terno não é novo, mas quase nunca o uso. Minhas meias são de seda. Será isso, essa estampa de homem civilizado, que me indispõe com o homem da pasta? Essa ideia não faz sentido algum, e chega a ser repulsiva. Vou dizer a verdade: fico torcendo para que ele seja impedido de fazer seu exame. Que seja mandado de volta para casa. Que sofra. Que seja castigado. Mas por que ele deveria ser castigado? De onde vem esse meu ódio? O que o sujeito me fez?
Começo a sentir medo do ódio que cresce dentro de mim. O que me perturba não é o homem, mas o que sinto. A náusea, descabida, aumenta. A repulsa. Não repulsa ao homem, mas repulsa a mim mesmo. Tento pensar em outra coisa. Tento silenciar. Tento me castigar? Ouço estalos de chicote que vêm dos fundos da recepção. Sei que são uma ilusão, são obra de meus nervos, mas meu medo aumenta. Agora tenho a sensação de que o homem, ciente de meus pensamentos agressivos, passa a me encarar. Só me resta encará-lo também.
E só então vejo claramente: grossas lágrimas escorrem dos olhos do homem da pasta. Se a falta de um documento o impede de fazer o exame, por que ainda espera? Já devia ter ido embora. Devia, mas não foi. Voltou à mesma cadeira e continua a esperar. O que mais ele quer? As lágrimas aumentam e escorrem pelas bochechas. Em desamparo, ele se abraça mais ainda à pasta. O mais grave, o mais intolerável é que, quanto mais lágrimas escorrem em sua face, mais raiva eu sinto. Raiva do homem, ou de mim?
Preciso admitir: sou eu, com minha aparência civilizada e limpa, que carrego um lobo no peito. É em mim que a natureza se torna desgovernada e cruel. Sou eu o agressor, e não ele. Sou eu o selvagem. Entendo então que devo fugir dali, já que é impossível fugir de mim. Vou até o guichê e devolvo a senha. “Não posso esperar mais.” O rapaz examina o número e diz: “Mas o senhor será o próximo”. Tentando matar o lobo que carrego no peito, sem pensar, eu sugiro: “Está vendo o homem da pasta? Chame-o em meu lugar”. O rapaz é ríspido: “Isso é impossível. Ele não trouxe os documentos necessários”.
Penso em me despedir do homem da pasta. Mas ele não me entenderá. Na verdade, é de mim, ou de algo em mim, que me despeço. Do lobo? Ainda o examino mais um pouco. Ele se agarra à pasta, como a um bote salva-vidas. Agora está claro: o nojo que sinto é de mim mesmo. O homem da pasta é só um álibi. Uma vítima. Um trampolim que usei para chegar ao pior de mim. De repente, o sujeito passa a soluçar. Uma senhora se ergue e o consola. Ampara-o, zelosa, até a toalete. Logo que eles desaparecem no corredor, saio em disparada pela entrada principal. Chamo um Uber. Respiro fundo. Fujo, mas o maldito lobo continua no meu pé.