Distraído, pensando ainda na menina que, com o rosto deformado pela tristeza, esmolava à entrada do banheiro masculino, dirijo-me à pia para lavar as mãos. Aquela menina era igual a qualquer outra. Desamparada, em farrapos, vendendo jujubas sem nenhuma convicção ou coragem. Sem nem mesmo entender o que fazia. Uma menina vazia — em um mundo vazio como meu próprio mundo.
Na posição de estátua, talvez uma estátua de inspiração militar, um homem se observa no espelho a meu lado. Apoia uma das mãos na bancada da pia, que está molhada e o repele. Com a outra, para não escorregar, manobra uma bengala de madeira que deveria ampará-lo, mas que, na verdade, o desestabiliza. Não é que esteja prestes a cair, já está caindo. Um desfiladeiro o traga e logo se esparramará no chão.
“Posso ajudá-lo?” — pergunto, sem considerar os riscos que envolvem minha pergunta. Pode soar como uma inconveniência. Talvez como um ataque, uma agressão. Ele, porém, não me olha, nem expressa nenhum sentimento, seja de agrado ou de repulsa. E, agindo como um objeto largado a um canto do banheiro, pergunta: “Eu não o conheço. Conheço?”.
Não, não me conhece, mas o que isso tem a ver com minha pergunta? “Perguntei se o senhor precisa de ajuda”, especifico. Agora ele é ríspido: “Não sou um senhor. Não preciso de nada. O que você quer?”. Algo me dizia que a gentileza, também ela, me lançaria em um bueiro. Vejo que já estou nele, e que continuo a despencar. Preciso pensar rápido. “Bom, se o senhor não precisa de nada, já vou indo.”
Pelo espelho, sujo e suado, como um fantasma que me persegue, vejo-o erguer a bengala em minha direção. “Pois agora não vou deixá-lo sair”, grita. Estamos os dois sozinhos no banheiro. A menina, com suas jujubas, ficou antes da roleta de acesso. Meninas não entram em banheiros de velhos loucos. Além disso, nada entenderia do que estamos discutindo. Uma ressalva: digo isso como se eu mesmo pudesse entender. Droga — que mundo. Que confusão tudo isso. Melhor cair fora.
Dou mais um passo em direção à porta, mas o homem me detém: “Vamos parando aí. Isso é uma ordem”. Por instantes, temo que a bengala tenha se transformado em uma baioneta. Ao fundo, ouço ecos de hinos militares. Quase bato continência. Seja como for, tremo. Tremo e me detenho, como um colegial tolo. Um paspalho.
“Vamos conversar francamente”, o homem me diz. É o que me resta, aceitar. Não haverá franqueza alguma, tampouco haverá uma conversa. Mas eu preciso respeitar e ceder. “Está bem”, digo enfim. “O que o senhor quer de mim?” Não queria nada. Limitava-se a arrumar os cabelos diante do espelho quando eu, um intruso, interferi em sua imagem e quase o derrubei. “O senhor viu que minha bengala quase foi ao chão?” Não sei o que vi. Prefiro não saber. Quero cair fora daqui.
“Uma boa tarde para o senhor”, digo, na esperança de que meus bons votos o sosseguem. É pior: começa a rosnar, alto, nítido, um desabafo ameaçador. Só falta latir. “Não se mexa”, ordena. “Ninguém mais sai daqui.” Não há ninguém além de nós dois. Ninguém sou eu. A isso me vi reduzido: a nada.
Para minha sorte, a porta se abre e entra um rapaz com uma vassoura na mão. Deve ser o faxineiro da secretaria, vem fazer uma faxina diária, vem me salvar. Para mostrar que existo, lhe faço uma pergunta: “Você tem horas, rapaz?”. São dez e meia da manhã no Rio de Janeiro, estou no bairro do Estácio, frequento um departamento da secretaria da Saúde. Levo uma vida decente e sossega, por que o velho me importuna?
O rapaz começa sua limpeza. Sem muita vontade e com o rosto triste, esfrega o balcão da pia. O velho se agita, sabe que, a qualquer momento, o rapaz poderá esbarrar em sua bengala — e a gritaria recomeçará. Haverá alguém do lado de fora esperando? Haverá alguém que possa entrar para ampará-lo — nem que seja a menina das jujubas? Como podem largar um velho assim sozinho?
Vejo-me ao espelho. Também eu, descabelado e exausto, devia estar acompanhado e não sozinho, sozinho e furioso, em uma repartição pública. Vim me cadastrar para receber um remédio de difícil acesso. Vim na esperança — mas a esperança, com frequência, se transforma em decepção. E agora tenho o meu destino nas mãos de um garoto que varre um banheiro. Conseguirá ele tirar esse velho de meu caminho?
Digo velho, mas também sou velho — preciso admitir. Talvez o sujeito seja mais novo que eu. Sim, provavelmente está mais perdido, mais fora de si e ainda depende de uma bengala. Eu não: ando com minhas próprias pernas, não preciso de acessórios. Mas de que valem minhas pernas se não consigo escapar?
O rapaz me dá uma ajuda. “O senhor já secou as mãos? Vou precisar de espaço para ensaboar a bancada.” Sim, ele está me enxotando. Não usa uma bengala, mas uma vassoura — mas não me ameaça com a vassoura. “Podem abrir espaço para que eu possa limpar a pia?” — pede, enfim, em tom desesperançado.
Só me resta oferecer ajuda ao velho para sair. Sozinho não conseguirá. Tenta, se arrasta, tropeça, mas a bengala só o atrapalha. A contragosto, permite que eu lhe dê a mão. Saímos. Enfim estamos fora do banheiro. A menina das jujubas surge muito animada. “Vovô, o senhor demorou, já estava preocupada.” O velho se mantém em silêncio. Não diz nada, não me agradece, não dá atenção à neta.
A menina o agarra pela cintura e o puxa para perto de uma parede. “Aqui o senhor se equilibra melhor.” Seu gesto humilha o avô. Agora já não sabe o que fazer da bengala. “Senhor Ralf, acho que já o chamaram pelo nome”, um policial lhe diz enquanto ele passa pela roleta. “É melhor se apressar, ou perde a vez.” Encaram-se. Talvez tente lhe desferir um murro. A menina o contém. A delicadeza da garota das jujubas torna tudo um pouco menos indecente.
Sem jeito, como se cometesse uma imoralidade, dirijo-me a ela e pergunto quanto é o saco de jujubas. Peço dois — e não aceito o troco. Percebo que o velho da bengala me vigia enfurecido. Talvez planeje me matar. Vou fugir enquanto é tempo. Antes de sair, atiro em uma lixeira a minha senha de espera.