Diógenes do Lido

Sebastião, o vendedor de livros na rua, é a ponte para uma reflexão entre a vida e a ficção
Ilustração: Joana Velozo
01/08/2025

Na altura da praça do Lido, na calçada lateral da avenida, costuma estar um homem desleixado e curvo, de cavanhaque amarelo, que vende livros usados. Ele expõe seus livros sobre uma toalha plástica, cheia de nódoas de cozinha. Senta-se, atrás dela, em uma almofada de veludo vermelho e usa um chapéu pontudo que lembra o dos piratas. Sempre o vejo, mas hoje, pela primeira vez, como meu dentista desmarcou a consulta, detive-me para examinar seus livros. Há, entre eles, alguns volumes antigos de história, alguns clássicos franceses e uma grande quantidade de livros que não me interessam. O que me interessa mesmo é o homem, sobretudo depois que me contaram que ele se chama Diógenes.

Não deve ser verdade, certamente é só uma invenção, ou uma piada, mas, mesmo assim, não se pode desprezar a lenda. Algum estudante de filosofia a inventou, algum gazeteiro a repetiu sem saber o que dizia e isso me basta. “Meu nome é José. E o seu?” — eu o provoco. “Eu me chamo Sebastião, mas cismam em me chamar de Diógenes.” Logo percebo que ele se orgulha do nome falso que lhe dão. Responde com um sorriso de deboche — um sorriso cínico? Sente prazer em me provocar também. Descubro que é culto: em um passado distante, foi professor. De matemática, ele me diz, desmontando minhas primeiras teses imaginárias a respeito de seu passado de filósofo.

“E a filosofia?” — sou direto, sempre pensando em Diógenes de Sinope, o filósofo grego que tinha uma barba longa e vivia dentro de um cano. O estudante cínico que inventei para justificar o apelido devia estar em um momento inspirado. As costas curvas de Sebastião, de fato, evocam as deformações de um cano. A barba suja de Diógenes também está ali. O jeito descuidado, a indiferença em relação ao mundo, a ausência do medo. Mesmo que ele desconheça o filósofo grego, não posso negar que o sujeito tem um jeito desafiador. Não sei se cínico — mas atrevido e petulante. Um jeito provocador, não de quem puxa uma briga, mas de quem dela se esquiva com arte.

Para facilitar nossa conversa, compro dois livros, pelos quais não me interesso. Mais à vontade, eu o convido para um lanche rápido em uma carrocinha de cachorro-quente estacionada na praça. Vacila, pede a um menino que vigie os livros e vai comigo. Está desconfiado — com toda razão. O que posso querer com ele? Não vou roubá-lo, isso ele sabe. Não sou da polícia, nem da saúde social. “O senhor tem jeito de médico”, ele me diz, jogando uma isca. Não, não pretendo curá-lo de nada, meu senhor, só quero conversar. Mas é justamente isso, conversar que, nos dias de hoje, se torna estranho e até indecente.

Logo entendo que não existem grandes semelhanças entre o falso Diogenes e o filósofo da Grécia Antiga — que só conheço por meio do livro de Diógenes Laércio sobre a antiguidade grega, que tenho em uma edição espanhola dos anos 1940. Nós, cronistas, somos assim: vivemos forçando laços entre coisas que não se relacionam, buscando linhas invisíveis onde não existe conexão alguma, forçando a realidade, pobre realidade, a se dobrar a nossa falta de assunto e desfaçatez. Nós não prestamos, os cínicos somos nós, os cronistas, e não Diógenes, o grego. Os desavergonhados, os descarados, os atrevidos. Não respeitamos a realidade, queremos sempre moldá-la a nosso gosto, contorcê-la e submetê-la aos nossos sonhos miseráveis. Não respeitamos as pessoas, nelas enfiamos as carapuças forçadas de personagens estranhos, sem pedir licença, sem nenhuma cerimônia, ou respeito. Nós, cronistas, somos egoístas e individualistas. Um dia pagaremos por isso.

Mas já me perdi com minhas divagações irresponsáveis e deixei o pobre Diógenes, que na verdade é Sebastião, para trás. Voltemos a ele e a nosso cachorro-quente que, a propósito, estava péssimo. Depois de comer, nos sentamos em um banco de praça. “Ainda não entendi o que o senhor quer comigo, aonde quer chegar”, ele desabafa. Parece mesmo desorientado. Contudo, como explicar o que eu mesmo não sei explicar? Penso em falar dos antigos gregos, mas não. Isso não o interessaria. Nem adianta tentar falar do filósofo Diógenes, o de Sinope. Teria que começar explicando o que é a filosofia e o que foi a Grécia Antiga. E me atrapalharia, porque tudo o que sei, eu também, é só pela metade, é muito pouco.

Tomo um atalho para escapar da filosofia e pergunto como se tornou vendedor de livros. Como foi parar na rua, em plena na praça do Lido, entre cachorros e idosos. “Não escolhi isso, e nem sei como vim parar aqui”, ele admite. Sempre passava pelo Lido a caminho do trabalho. Havia outro vendedor de livros antes dele. Um velho chinês, me garante. Um dia, o velho passou mal e pediu que ele olhasse seus livros enquanto ia a uma emergência. Foi e não voltou mais, nunca mais. Nunca mais soube dele. Diógenes herdou seus livros. Já andava cansado do trabalho de escriturário. Resolveu largar tudo e tomou o lugar do velho. E está ali até hoje, e acha que está feliz. “Aqui não estou trancado em um escritório. Aqui vejo as pessoas. No escritório eu estava morto, aqui estou vivo.”

Pelo que diz Diógenes, a ida para a rua foi um projeto de felicidade. Não chega a dormir em um cano — passa as noites no almoxarifado de um bar, entre engradados de cerveja e latas de mantimentos. Um favor do dono do botequim, que simpatiza com ele. Os livros ficam guardados em uma mala, da qual não se separa nunca. São doações dos moradores das imediações. “Tudo muito simples, mas funciona.” Diógenes me conta tudo isso com grande simplicidade. Não há afetação, ou orgulho em suas palavras. As coisas são como são. Somos nós, cronistas, que as complicamos.

Mas se não for para expandir a vida, para transformá-la e exagerá-la, qual seria o proveito de escrever? Conta que, no almoxarifado, costuma ler jornais velhos. Não consigo me controlar: “O senhor lê crônicas?”. Pergunta se são aqueles textos que veem em um cercadinho, separadas das reportagens. “Exatamente eles”, digo. Faz cara feia. “Não sei para que servem. Não passam de invenções, e eu prefiro a vida.” O pior que eu também, caro Diógenes. É muito melhor conversar com você do que escrever sobre você.

José Castello

É escritor e jornalista. Autor do romance Ribamar, entre outros livros.

Rascunho