Na esquina da padaria, vejo uma mulher enrolada em um cobertor. Esticada ao longo da vitrine e em sono profundo, traz os seios à mostra. Sua nudez, mais que surpresa, desperta repulsa. “Que nojo”, escuto uma mulher, que passeia com seu cachorro, dizer. “Por quê, pelo menos, essa miserável não se cobre?”
Tenho o impulso de parar e me abaixar para cobri-la com os restos de seu cobertor lamacento, mas me contenho. Nem meus cabelos brancos convencerão a dama do cachorrinho de que não sou um tarado. Dou mais dois ou três passos e paro, sem saber o que fazer.
“Eu só quero comprar uma chupeta para meu irmão”, grita um menino na porta da loja vizinha. Um pequeno bazar, em que nunca entrei. “Cai fora, menino, não enche”, diz um rapaz uniformizado enquanto o empurra. O garoto veste só um calção largo, que balança em sua cintura. Está sem camisa e descalço. “Por que eu não posso entrar na loja?”
O segurança ainda tenta: “Ninguém pode entrar em uma loja só de cuecas”. O menino o enfrenta, diz que não está de cuecas, mas de shorts. Está furioso. “Você não tem nem dinheiro para comprar a chupeta”, o rapaz completa, empurrando-o pelo peito.
Nesse momento, um casal de meia idade sai do bazar. A mulher, comovida, vai até o garoto, abre a bolsa, e lhe dá algum dinheiro. “Pronto, agora você pode comprar o que quer”, ela diz, afagando seus cabelos. O segurança assiste a tudo em silêncio mas, assim que o casal se afasta, debocha: “Se deu bem, hein, garoto? Mas pelado assim, mesmo com dinheiro, você não pode entrar”.
Penso em intervir, argumentar a favor do menino, mas, antes que eu dê um passo, chega uma senhora de idade. Aproxima-se e pergunta: “Meu filho, o que está acontecendo com você?”. O menino reclama do segurança. Diz, ainda, que tem um irmão muito pequeno que perdeu sua única chupeta e agora não para de chorar. Diz e aponta para a mulher que traz os seios expostos. Só agora vejo uma pequena cabeça que se protege logo abaixo deles.
A senhora de idade nem se dá ao trabalho de olhar para o segurança, que se perfila às suas costas. “Vamos fazer o seguinte, você me espera aqui, eu vou lá dentro e compro três chupetas para seu irmão.” Era o que eu mesmo, pouco antes da mulher chegar, me preparava para sugerir. Agora nem preciso enfrentar mais o rapaz da porta. Está tudo resolvido.
“Não!” — ouço o menino gritar. “Não sou mais um bebê, sei fazer as coisas sozinho. Eu mesmo quero comprar a chupeta.” A velha se paralisa, não sabe o que pensar, mas não se afasta. “Já disse que você não pode entrar”, o segurança insiste, agora elevando a voz. “Se você quisesse mesmo a chupeta, aceitava a ajuda da senhora. Você está tramando outra coisa.”
A mulher ainda tenta argumentar, sem sucesso, a favor do menino. Abre, então, sua carteira, lhe dá mais algum dinheiro, acena e entra no bazar. “Agora entendi qual é sua jogada”, diz o rapaz. “Você comove as pessoas, faz seu teatro e assim lhe dão dinheiro. Não quer chupeta coisa nenhuma.”
Nesse momento, para desmentir o segurança, ouvimos o choro do bebê enroscado no cobertor. Tenho o impulso de voltar alguns passos e falar com a mulher, mas, antes disso, o menino escapa por uma fresta e consegue entrar na loja. “Vagabundo”, berra o segurança, que entra no bazar atrás dele. O rapaz é grande e forte. Logo o traz para fora, arrastando-o pelos cabelos.
Vai acabar dando uma surra no garoto, eu penso. Vai acabar machucando o coitado. Preciso fazer alguma coisa. Então, tomado por uma fúria que engulo com dificuldades e que me sufoca, me aproximo do garoto, agacho-me e sussurro em seu ouvido: “Vou te ajudar. Mas precisamos ir até a esquina”.
O menino me olha desconfiado, me examina, e enfim diz: “Ninguém pode me proibir de entrar na loja. E eu vou entrar na loja”. Seguro-o pelo ombro e digo: “Estou do seu lado. E é exatamente isso o que você vai fazer. Eu tenho um plano”.
Ele me examina de novo, sabe que pode ser uma armadilha, mas, já exausto, me segue. Paramos logo depois da esquina, em um lugar em que o segurança não pode mais nos avistar. Dou uma olhada em torno, examino as vitrines, nenhum sinal do que procuro. Até que, um pouco mais à frente, meus olhos de velho veem um cartaz: “Brechó”.
“Achei!” — digo entusiasmado. “Vamos até lá.” Sem entender o que se passa, o menino me segue. Agora de mãos dadas, entramos sem nenhum problema. Um velho nos recebe. “O senhor tem roupas usadas para esse menino”, pergunto. O garoto me olha espantado, mas não larga minha mão. “Alguma coisa barata e simples, talvez um conjunto de moletom.”
O velho logo volta com um conjunto de ginástica azul, bastante desbotado. O agasalho tem um gorro. “Há uma cabine?” A roupa fica um pouco larga, mas serve. O garoto se olha no espelho feliz. “O senhor vai mesmo comprar para mim?” Digo que é claro que sim, e peço ao vendedor, ainda, um par de tênis barato. Ele traz um tênis de brim, que fica meio largo também, mas resolve nosso problema.
“Não precisa embrulhar, ele vai vestido mesmo”, explico. Pago, dou a mão ao garoto e voltamos em direção ao bazar. O rapaz da segurança continua perfilado na calçada. “Não olhe para ele, só olhe para a frente. Agora nós vamos entrar.” O garoto cumpre à risca minhas instruções. Sua pequena mão treme.
No balcão de atendimento, lhe passo um trocado e digo: “Agora peça a chupeta de seu irmão”. O vendedor pergunta quantas chupetas ele quer. Quando o garoto mostra o dinheiro, o homem diz: “Com isso acho que você compra umas cinco”. Ele abre um sorriso e, sempre apertando minha mão, diz: “Eu quero todas”.
Depois vamos ao caixa onde, orgulhoso, o menino paga sua compra. “Agora podemos ir”, eu aviso. “Continue a olhar para a frente.” Na porta do bazar, porém, sua raiva transborda. Larga minha mão, arranca o casaco e o gorro, abre a embalagem das chupetas e se aproxima no segurança.
“Agora eu tenho roupa, agora eu posso entrar. Olha aqui as chupetas”, grita cheio de entusiasmo O rapaz não acredita no que vê. De longe, a moça do caixa começa a bater palmas. Eu a acompanho, aplaudo e grito “bis”. Um pouco à frente, a mulher do cobertor se ergue e, sem se importar com os seios nus, bate palmas também.