A porta está entreaberta. Não há uma campainha. Nenhum aviso. Eu a empurro e entro. No fundo da biblioteca, debruçada sobre o balcão de atendimento, uma mulher faz as unhas. “Perdoe-me por interromper. Onde posso achar os livros de Cristovão Tezza?” A bibliotecária mantém os olhos fixos nas mãos. Com uma pinça, arranca cutículas, que voam sobre a bancada. “Já lhe digo.” E, indiferente, continua a cuidar das unhas.
Só depois, me pergunta: “Quem é esse Cristovão Pezza?”. Corrijo-a: “Não é Pezza, é Tezza, com T. Com T de tatu”. Encapsulada em seu figurino de manicure, a mulher se assemelha a um tatu. Agora, sim, ela me observa. Um olhar de desdém. “Pezza ou Tezza dá no mesmo”, diz. E completa: “Se é Tezza, basta ir até a letra T”. Não agradeço. Tento me esquecer da mulher e percorro as estantes. Encontro, enfim, a letra T. Examino as prateleiras. Não existem livros de Cristovão Tezza.
Viajo pelo interior do Paraná para fazer palestras sobre a literatura brasileira. Quero falar dos romances de Tezza e ocorreu-me ler um trecho de algum deles. Volto ao balcão. “A senhora poderia, por favor, verificar se eles foram arquivados em outro lugar?” A mulher demora, mais uma vez, a responder.
“Se não está no T, é porque está no C”, ela responde, irritada. Já não me olha. As rugas em torno do nariz indicam sua raiva. Não me conhece. Não lhe fiz nada. Só pode ter raiva de minhas perguntas, que interrompem seu trabalho de manicure. Também nas estantes destinadas à letra C não encontro livros de Cristovão. Devia ter trazido pelo menos um deles em minha mochila.
“Também na letra C eles não estão”, eu reclamo. Sugiro que ela verifique no catálogo se a biblioteca tem mesmo livros de Tezza. Deveria ter, é obrigatório ter, mas não me espantarei se não tiver. “Não posso usar o catálogo agora”, ela me diz. “Ele está escorando uma das estantes que desabou.”
Indiferente aos livros, ela transformou o catálogo em um calço. “Por que vocês não usam um tijolo?” Ela sorri. Um sorriso de medusa, dentes borrados de rosa. Resmunga: “O senhor é mesmo insistente. O catálogo não serve para nada, fica aqui entulhando a mesa. Só assim ele tem alguma utilidade”.
Marlene, a manicure — o nome aparece em seu crachá de bibliotecária — odeia livros. Isso agora está claro. O ódio transborda de suas unhas de gavião. Quando voltar para o hotel, é verdade, posso telefonar para Cristovão e pedir que me passe pelo zap um trecho de algum de seus romances. É o que farei. Um impulso desagradável, porém, me faz ficar. Sinto prazer em desafiar essa bibliotecária que abomina os livros.
Caminho até a estante destinada à letra M e busco os livros de Machado. São poucos e estão em péssimo estado. Retiro, ao acaso, um exemplar de Brás Cubas e me instalo em uma mesa bem diante do balcão. Não pretendo reler Machado, ele é só uma desculpa. Uma armadilha. O que me interessa é ler a face arredia de Marlene. Decifrar seu ódio. Passo a tratar a bibliotecária como um livro.
Logo entra, apressado, um rapaz. Joga a mochila no chão e enxuga o suor no rosto. “Tenho que fazer um trabalho sobre Graciliano”, ele diz. “O que a senhora tem dele aí?” A mulher explica que não pode consultar o catálogo, porque ele agora serve como pé para uma estante torta. “Vá na letra G”, ela indica. E acrescenta, esforçando-se para ser gentil: “Qual é o primeiro nome desse Graciliano?”.
O rapaz explica que Graciliano é um nome próprio, e que o sobrenome é Ramos. “Por que não disse logo, meu filho?” Enojada, aponta a estante em que ficam os livros em R. Virando-se para mim, reclama: “Esses garotos não sabem o que querem. E a gente é que tem que saber por eles”.
Logo o menino retorna com meia dúzia de livros de Graciliano. A mulher o olha indignada. “Você vai mesmo ler tudo isso?” O garoto explica que faz uma pesquisa sobre a presença do sol na obra do escritor. “Do sol? Que importância isso tem?”, a mulher resmunga. Seu olhar é hostil. De repulsa. O garoto lava as mãos: “Foi um pedido do professor. Não é só sobre o sol, é sobre a luz”.
Enquanto registra a saída dos livros, a bibliotecária se lamenta: “Sempre digo que livros só enfraquecem as pessoas. Por que ele não vai fazer ginástica, ou lutar judô?”. É gorda e flácida. Tem a pele gosmenta, dos que vivem nas catacumbas. A coluna torta. Apesar disso, conclui: “Perdem a juventude lendo e depois se tornam adultos obesos e preguiçosos”.
O garoto a ignora, não agradece, e sai com os livros. Não contente, ela ainda diz: “Que desperdício. Mais um efeminado”. Vira-se para mim em busca de cumplicidade, mas fecho a cara. Decepcionada, solitária entre tantos livros odiosos, ela volta às unhas. Também o balcão agora está sujo de rosa. Não me contenho: “A senhora não tem o hábito de ler?”.
Tem mais o que fazer. Para suportar o tédio da biblioteca, refugia-se no celular. “A gente fofoca e compra brigas. Nele eu me divirto”, me diz. Uma bibliotecária que odeia o que faz. Talvez alérgica a livros. “Não sou uma monja da Idade Média, agarrada a seus cupins. Sou uma mulher moderna”, completa. E dá uma risada obscena.
Talvez seja hora de ir. Sinto-me impotente diante daquela mulher que abomina o que faz. Em um último esforço, pergunto por que escolheu essa profissão. “Sempre fui telefonista”, explica. “Mas hoje ninguém usa mais os telefones. Como a antiga bibliotecária faleceu, puseram-me em seu lugar.” Agora eu a olho e constato que não passa de um objeto, que carregam para cá e para lá. Como um cabideiro ou uma cômoda. E ela se deixa levar, indiferente.
“Não seria o caso de pedir uma transferência?” — ainda tento. “Que nada, estou bem aqui. É bom trabalhar com o que a gente despreza. Não me sinto responsável por nada. Não pretendo salvar ninguém.” Já não sei o que dizer. Preparo-me para sair. Ela ainda arremata: “Não tenho ilusões. Nada melhor do que servir a um senhor que não é o meu.” Dá uma gargalhada que se converte em um acesso de tosse. Empurra um livro com o cotovelo e abre espaço para um pacote de lixas. Respira, infeliz, muito infeliz, mas se sentindo feliz.