“É um grande talento, um talento inato, e jamais vi alguém que possuísse maior força verdadeiramente poética que ele”.
É com tais palavras que o preclaro poeta inglês George Gordon Byron, mais conhecido por Lord Byron, é reverenciado, e por ninguém menos que o gênio alemão Goethe, que lhe foi contemporâneo. O trecho encontra-se em Conversações com Goethe nos últimos anos de sua vida, de Eckermann (editora Unesp).
Bastaria esse parecer vindo de alguém como Goethe para assinalar a grandeza de um poeta, mas cabe ainda observar a influência que este em especial soube inspirar ao mundo, sendo a pedra de toque da segunda geração romântica brasileira, dita ultrarromântica. Poetas notórios de nossa literatura, como Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu, beberam da fonte cujo nome é Byron, o que deixa ainda mais perplexo o leitor brasileiro que, até pouco tempo atrás, antes do início deste século, procurando pelas obras do poeta inglês vertidas em nosso idioma, se deparava com considerável lacuna editorial.
Talvez o fenômeno não seja de admirar considerando especificamente a figura de Lord Byron. O crítico Harold Bloom, em sua obra Gênio, ao tratar de Ernest Hemingway, constitui uma tríade de personalidades literárias — Lord Byron, o citado Hemingway e Oscar Wilde — cuja personalidade, cuja persona social, ofuscam a obra literária, “conquanto essa noção subestime Don Juan, A importância de ser prudente e uma dúzia de contos maravilhosos”. De fato, quem se interessa por literatura e a lê com certo interesse, muito provavelmente se depara com o vulto do grande poeta inglês, sem quase nada saber de sua obra. A referência, então, ao leitor brasileiro, é sua influência na poesia nacional, desconsiderando a relevância da obra em si.
Contudo, esse quadro de desconhecimento e lacuna editorial está mudando de décadas iniciais de 2000 para cá. Já não é tão difícil encontrar obras como a citada Don Juan, Caim e os poemas mais característicos do poeta; no que concerne a este último ponto, a Zouk desempenha bom trabalho com sua edição de Sol dos insones, antologia poética não idealizada pelo autor, mas que leva em conta o escrutínio de três tradutores quanto à representatividade da obra de Byron.
Força lírica
O parâmetro que a atual edição optou por seguir não prima por uma seleção de temas variados na obra do poeta. Observa-se antes um enfoque qualitativo de sua lírica, apoiado nas preferências dos tradutores, em detrimento de uma variedade maior de temas, sendo a lírica amorosa o tema por excelência.
E nesse tema, distribuído em versos de metro variado e mais recorrentemente em quartetos, o leitor se deparará com a pintura idealizada da figura amada, seja na celebração das primícias amorosas (O primeiro beijo do amor), ou na pintura eufórica da beleza inigualável (Ela caminha em graça, Te vi chorar), mas também no assento poético mórbido (Levada embora no vigor da juventude, Então morreste, moça e tão formosa).
Em tais versos, delicadamente amorosos, sobressai o tom hiperbólico, seja na retórica:
Contudo, amei até estar acabado,
Com teu fervor e fogo iguais,
Que nunca vacilaram no passado
Nem poderão mudar jamais:
O amor no qual a Morte pôs seu selo,
Não podem farsa ou vida enfraquecê-lo (…)
Seja também na expressão poética:
Te vi sorrir, e o arroubo da safira
Ao teu redor cessar;
Já não se comparava àquela pira
Raiando em teu olhar.
Percebe-se nos exemplos acima essa expressão segura, esse grande pendor pelo imagético constante também em outros versos. Um uso lapidar da palavra, constituindo assim metáforas admiráveis:
Teus longos cílios negros deixam
Sobre a radiância do teu rosto
Plumas de um corvo em meio à neve
Quanto a postura do eu lírico frente à figura amada, que ora se mostra acessível às investidas do poeta (Moça grega, eu parto então), ora esquiva e mesmo perjura (O colar ofertado), é variada. Por certo, reflete a herança tradicional da lírica amorosa do amante fiel, incluindo a influência inusitada do grande Camões, mas também a do lúgubre melancólico que dará a tônica dominante aos nossos jovens poetas românticos.
No que toca ao elemento lúgubre, é notório como o poeta o trabalha de forma peculiar. Se por um lado o leitor encontrará essa atitude conformada e pouco solene diante do advento da morte em versos como “E em silêncio na terra afundaria/ Longe do luto e da curiosidade:/ Sem estragar instantes de alegria”, por outro lado, irá se deparar com uma postura mais irônica, de uma lógica mesmo “prática” ante o temível “sono da morte”, num poema como o admirável Versos gravados numa taça feita de um crânio.
Objeto-fetiche dos jovens românticos em suas orgias e taças sórdidas, a figura de um crânio humano sendo utilizada para se sorver o vinho é tratada de forma jocosa por Byron, num poema em que dá voz àquela taça singular. Ela dirige-se a um eventual usuário, em termos parecidos com um epitáfio bem-humorado:
Eu vivi, eu amei, eu bebi, como tu;
Eu morri; mas a terra não terá meus restos;
Enche logo — não vais me causar mal algum;
Os vermes tinham lábios muito mais infestos
Mas o poema vai além em sua aparência supostamente simples: ele trabalha a ideia da vida (em termos baquicamente boêmios) brotando da morte, sendo até mais desejável por esse tempero tétrico. Vem à mente a célebre cena de Hamlet erguendo diante de si o crânio que fora seu bobo da corte, o “pobre Yorick”. Todavia, se na obra-prima de Shakespeare o episódio serve para que o melancólico príncipe reflita sobre a transitoriedade da vida e o fenecimento das ilusões a que o ser humano se apega com alguma esperança de perenidade, no poema de Byron, ao contrário, o alerta dessa transitoriedade visa a que o portador da taça ainda mais se apegue à vida, embora num culto a Baco:
Por isso bebe enquanto a vida não se encerra;
Depois que se acabar de vez esse conforto.
Talvez também te salvem de dentro da terra
E façam versos, façam drinques com o morto;
Por que não? Pelo pouco que a vida nos dura,
Nossas cabeças causam tanta inquietação (…)
Óbvio, porém, que há muito de amarga ironia no poema, mas essa não elide o prazer da boemia, e sim, como antes dito, o realça.
Ao longo das quatro seções que dividem o livro, vemos tendências variadas em termos formais. Na primeira — Horas de ócio — vemos um Byron mais em constante diálogo com outros artífices dos versos (Catulo, Anacreonte, Camões), em poemas mais extensos, com predomínio da rima emparelhada. A temática está de acordo com o universo dos poetas antes citados, envolvendo mitologia e paganismo, sem prejuízo da lírica amorosa.
Já Canções hebraicas centra-se mais no âmbito bíblico do Velho testamento, reproduzindo belamente episódios como a queda do rei Belsazar, ou a sujeição do povo de Israel ao domínio babilônico. Não é, contudo, uma apropriação poética do livro sagrado, mas uma vívida experiência lírica, expressando sentimentos como o de resistência ao invasor estrangeiro, mas também um certo desejo de transcendência, sem prejuízo da entrega ao mundo carnal e suas delícias (“‘Tudo é vaidade’, disse o pregador”).
Poemas esparsos equilibra poemas de maior fôlego com os de breve expressão. A lírica amorosa sobressai aqui. Já Fragmentos e excertos reúne trechos de seus poemas dramáticos mais famosos, como Childe Harold’s, Don Juan etc. Embora a intenção seja acertada, a inclusão de fragmentos logra apenas dar ao leitor pequena ideia do Byron narrativo.
A edição é bilíngue. Assim, o leitor pode cotejar o original com a tripla tradução e observar o trabalho esforçado empreendido. Óbvio que algo se perde (kiss torna-se “carinho” ou half broken-hearted vira “Com grande dor”, por exemplo), mas no geral são boas as soluções, e muitas vezes a estrutura da estrofe é preservada.
Enfim, Sol dos insones é ótima opção para quem busca conhecer a obra de um dos mais influentes poetas de todos os tempos.