Sancta Poesis
Luz que se tece
de sombra
e claridade.
Sua textura,
só quem a acende
sabe.
Flor no silêncio.
Seu colorido,
só quem a colhe
enxerga.
Explosão irisada
de metáforas.
O seu fascínio,
só quem a deflagra
entende.
Cruz implacável
sobre cujos braços
me prego, sangro, morro
e ressuscito
para a vida efêmera.
Variações sobre o deserto
Les milices du vent
sur les sables de l’éxil.
Saint-John Perse
1.
Deserto inúmero, infinito mar
de sílica: deserto congelado.
E os homens? Transeuntes nas areias,
dromedários de sombra carregando
no dorso o fardo antigo da esperança.
Deserto sob e sobre, dentro e fora
de nós como um cilício inominável:
fulvo e árido sempre, como a vida
que se escoa depressa na ampulheta.
2.
Aqui e ali, agreste, a imprecação
de um cacto verde, verdemente ereto.
(Deserto ubíquo, de ondas cor de tédio
que de Sodoma as chamas enxugaram).
Além da linha pura do horizonte
(se próxima ou longínqua, pouco importa),
espera-nos a zona proibida
de areias movediças, sorvedouro
infausto e sem remédio. Ora pro nobis.
3.
Depois deste deserto, mais deserto
sob o mármore vão dos epitáfios.
Sim, deserto. Se côncavo ou convexo,
ninguém sabe. Perpendicular, não.
Horizontal? Talvez. Talvez oblíquo.
4.
E todos naufragamos no deserto
insaciável como o tempo onívoro.