Poemas de Suzana Vargas

Leia os poemas "Impressões da sangria", "Cena " e "Bilhete"
Ilustração: FP Rodrigues
01/09/2022

Impressões da sangria

I
As galinhas dão as costas disfarçando
a futura imolada — quieta —
o pescoço depenado e oferecido
pulsa
pulsa
até escorrer
tigela abaixo

Estremece
asas ainda presas
depois livres
no galinheiro em paz

II
O homem ameaça um carinho
ao apanhar a faca.

A mão se fecha
sobre o pescoço à mostra.

Uma certa paixão envolve o pátio
na hora de cortar
a jugular.

No almoço
nem lembrança
da bichinha
que era branca.

Ilustração: FP Rodrigues

Cena

O ENTARDECER entre vinhos e crise
alimenta estes homens
que jogam xadrez
no fundo da adega
e ignoram ainda
o caminho empoeirado da avenida.

Lucidez somente
quando a noite fecha
seu zíper de metal
sobre essas coisas

E ficam,
abandonados no bar:
os copos, seus bigodes,
uma gota de uva
sobre ódios perenes

Bilhete

Meus olhos não expressam teu abismo
Têm um brilho
e não se chama afinidade

Olho-te como quem
vê um gafanhoto enorme
a se abrigar
no para-brisa do carro
um homem elegante e de olhos verdes
com barba ideal para noites de inverno
nesse frio de cristal
onde o bicho repousa

Inclino-me
e evito acelerar
para que ele não voe
e pouse
suas pernas finas
suas breves mãos
nesse meu corpo
num lugar onde o vento
faça a curva

Suzana Vargas

É gaúcha e reside no Rio de Janeiro (RJ) há mais de 50 anos. Criou e coordena há 25 anos a Estação das Letras. Entre seus livros de poesia, estão Sem recreio (1979), Sombras chinesas (1990), Caderno de outono (1998), indicado ao Prêmio Jabuti, e O amor é vermelho (2005).

Rascunho