Para meu pai
“Por aí não, Lúcio.”
“Não me chama de Lúcio! Já falei!”
“Desculpa, Colibri. Por aí não, alguém pode ver a gente. Vamos pela mata.”
Colibri concordou com Tico-Tico, ainda de cara amarrada. Já havia dito mil vezes que precisavam se tratar pelos codinomes, ninguém poderia descobrir suas verdadeiras identidades, mas Tico-Tico era distraído demais da conta, ia acabar dando mole.
Entraram os dois na mata cerrada. Pardal ia logo atrás, completando o grupo. Eram garotos ainda. O mais velho, Pardal, tinha dezesseis. Colibri vinha em segundo, com quinze, e Tico-Tico, o caçula, acabara de completar doze.
Aquela seria a terceira operação. E a mais arriscada.
Na primeira deu tudo certo, apesar de Tico-Tico ter levado uma mordida de um dos cães do fazendeiro. Nada grave, cicatrizou rápido, o problema foi explicar para a mãe como arranjara aquele machucado. Tico-Tico não gostava de mentiras, nenhum deles gostava.
Na segunda também foram bem-sucedidos, mas os fazendeiros começaram a ficar atentos, duas vezes em um mês! Algo estranho estava acontecendo. Circularam boatos, forasteiros na cidade, gente ruim, perigosa.
“Trouxe a cartolina?”, Pardal perguntou quando pararam um instante, para descansar.
“Claro”, Tico-Tico respondeu, tirando do bolso da bermuda o pedaço de papel com a frase escrita em letras grandes, a mesma que haviam deixado no local das duas primeiras operações. Era a marca registrada do movimento, sua assinatura.
“Liberdade, abre as asas sobre nós!”, Pardal leu, cabeça erguida, peito aberto.
Os outros dois repetiram, punho fechado, erguido para o céu. Nenhum deles sabia de onde vinha aquela frase, ouviram numa música e acharam que cabia direitinho.
Meio-dia. Dentro da mata o sol não castigava tanto, mas o calor beirava o insuportável. O grupo seguia arduamente pela fazenda do coronel Tavares, o mais temido da região. Era arriscado, era arriscadíssimo! Mas justamente por isso haviam escolhido como alvo a fazenda do coronel. Precisavam marcar posição, o movimento necessitava de mais correligionários e, se tudo desse certo, depois da operação haveria outros ao lado deles. Liberdade, abre as asas sobre nós!
Chegaram ao final da caminhada às treze horas, como previsto. Sabiam que o coronel estaria descansando no seu quarto, depois do almoço. Descobriram que se tratava de um homem metódico, almoçava sempre ao meio-dia, depois tomava café com licor na varanda e ia para o quarto descansar, até as duas da tarde.
Enquanto dormia, era como se a fazenda toda dormisse também. As cozinheiras, o capataz, os peões, os cães, até os mosquitos da fazenda descansavam, em absoluto silêncio, para não incomodarem o coronel no seu sagrado repouso.
Então, se esgueirando entre as árvores do pomar, os heróis foram chegando até a varanda da casa. E rapidamente, ágeis como das outras vezes, abriram, uma por uma, todas as gaiolas. Canário-da-terra, curió, sabiá, bicudo, tiê, tucano, periquito, todas as joias do coronel voando pelas portas abertas.
E na fuga os três meninos, enquanto corriam de novo pela mata, descalços, radiantes, não podiam ver mas imaginavam os passarinhos no céu azul, muito azul, tão azul que até fazia acreditar que a liberdade era possível.