Nascida em São Paulo, em 1975, Andréa del Fuego deseja — e necessita — escrever, sem possibilidade de negociação. Dessa dedicação vieram os livros de contos Minto enquanto posso (2004), Nego tudo (2005), Engano seu (2007) e Nego fogo (2009), além de dois títulos juvenis e um infantil. Aos nove meses de gravidez, a escritora aceitou se submeter a este Inquérito e falar sobre hábitos de leitura e de escrita. Aqui, com a permissão do pequeno Francisco José, a vencedora do Prêmio José Saramago com o romance Os Malaquias (2010) nega a existência de limites para a ficção e conta o que nunca entraria em sua literatura.
• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Quando selecionei os primeiros contos, mas nessa época não tinha idéia do que seria uma dedicação incondicional. Isso aconteceu mais tarde, com as boas decepções que colocam à prova a empáfia inicial.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Ouvir inúmeras vezes uma mesma música até terminar o texto. Depois essa música se transforma em algo insuportável.
• Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Faço graduação em Filosofia, essa área tomou boa parte da minha leitura. Por conta do romance que estou terminando, tenho lido Gaston Bachelard com muita sede.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Pela manhã, bule de café ao lado, sem interferências externas.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
À noite, depois de tudo.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Dia em que segui meus planos de escrita, ainda mais quando consigo conciliar burocracias do cotidiano sem perder o elo com o livro em questão.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
As páginas já escritas.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
Ele mesmo, em crises de insegurança e/ou segurança, ambas nocivas.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
O lado burocrático da coisa, o mercado e seu engenho são desestimulantes.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Os autores contemporâneos brasileiros, o cardápio é imenso.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível é Philip Roth, descartável é a preguiça.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Um narrador supostamente neutro que deixa vazar o autor. Nesse caso, essa voz torna-se um personagem que limita a perspectiva que a “neutralidade” daria. Óbvio que nada é certo, errado ou constante na literatura, isso também pode ser um grande estilo.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Política explícita.
• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Reza de senhoras devotas em Bom Jesus da Lapa.
• Quando a inspiração não vem…
Escrevo do mesmo jeito.
• O que é um bom leitor?
Aquele que se entrega e abandona o livro, se for o caso. Ou seja, o leitor que não se violenta.
• O que lhe dá medo?
Morrer.
• O que lhe faz feliz?
Poder escrever.
• Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
A dúvida, ela por si é um guia. No começo ela pode imobilizar, mas o passo seguinte sempre é mais firme.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Perceber que aquilo não está pronto, que farei pelo menos mais mil leituras e reescritas.
• A literatura tem alguma obrigação?
Nenhuma, ela é fruição pura por não carregar obrigação.
• Qual o limite da ficção?
Nenhum, a palavra se desdobra infinitamente na ficção.
• O que lhe dá forças para escrever?
Uma vontade imensa, sem negociação.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Ao espelho, já que o mistério do que “há lá fora” é o que nos guia de alguma forma.
• O que você espera da eternidade?
Que ela já esteja acontecendo.