Aluísio Azevedo é fartamente citado na história crítica da literatura brasileira como o grande autor do naturalismo no Brasil. De fato, não faltam “indícios” contundentes de que a obra do escritor maranhense tivesse sido sobremaneira influenciada pela literatura de Émile Zola, por exemplo. O curioso é que, quando se trata de mencionar a obra de Azevedo, quase que automaticamente, todos se recordam apenas dos romances, mais precisamente de O mulato, Casa de pensão e O cortiço, este último, sem dúvida, expressão máxima daquele movimento literário. Todavia, a produção literária de Aluísio Azevedo, que foi mais um intelectual brasileiro a conjugar a vida literária a um emprego público (foi diplomata de carreira), não se restringe ao romance de cunho sociológico. Uma outra faceta da obra do escritor, bem menos comentada, é a produção de contos. Diferentemente dos romances, estes não alcançaram relevância necessária para figurar entre as mais importantes narrativas do gênero. A leitura de Melhores contos, coletânea recentemente publicada pela Global, traz os motivos para esse esquecimento.

Antes, é necessário uma explicação. Isso porque o termo produção, no parágrafo anterior, não foi escolhido ao acaso. De acordo com boa parte da nota biográfica sobre Aluísio Azevedo, é correto afirmar que ele foi um dos primeiros, senão o primeiro, escritor profissional do Brasil. O que isso significa? Que Aluísio Azevedo tinha como atividade a escrita de narrativas folhetinescas, cujo objetivo era preencher as folhas daquele tempo. No prefácio, Ubiratan Machado assinala que o autor viveu os dilemas dessa atividade: interessado em alcançar o ápice com obras de cunho mais denso, Azevedo precisava de dinheiro para se manter no Rio de Janeiro, cidade que adotou como sua depois de sair do Maranhão. A solução encontrada foi a elaboração de textos que, “se não têm grande valor, servem para adestrar a mão e ganhar dinheiro”. É por isso que, ao lado dos romances mencionados no parágrafo anterior, constam, ainda, livros como Filomena Borges; Livro de uma sogra; O coruja, entre outras experiências que, descoladas do projeto literário de Aluísio Azevedo, tão somente garantiam uns caraminguás ao escritor.

No que se refere aos contos, é justo afirmar que estes estão, de certa maneira, mais próximos do autor de folhetins do que do grande romancista d’O cortiço. Não porque Azevedo tenha escrito estes necessariamente pelo dinheiro, posto que seria necessário uma biografia contundente para que se pudesse afirmar coisas desse tipo. Em verdade, a proximidade se dá pelo fato de que o autor não consegue tanto pela abordagem quanto pelos temas selecionados atrair a atenção do leitor para a sua narrativa em formato curto. Que se faça justiça: dificilmente, algum escritor brasileiro do século 19 conseguirá o feito de Machado de Assis no gênero, uma vez que este dominava o formato conto como poucos, mesmo na literatura universal. Todavia, o impasse com as narrativas de Azevedo são de outra natureza. E a primeira que se pode destacar é a falta de adequação ao gênero. Veja o leitor como e por que isso acontece nos parágrafos adiantes.

Excessiva descrição
Quem leu com atenção os principais romances de Aluísio Azevedo há de se recordar que um dos elementos que marcam sua narrativa é a descrição, ora apimentada, ora repleta de detalhes e minúcias que escapariam ao olho clínico comum. Haverá quem diga, não sem razão, que, tendo em vista a perspectiva cientificista do fim do século 19, essa marca do esquadrinhamento também ganhou força no discurso literário. Pois bem. Tal estratagema funciona com primor em textos mais longos, uma vez que o autor é capaz de encadear as histórias de maneira a construir um sentido. Em outras palavras: a descrição é parte integrante e fundamental da narrativa, já que, sem ela, todos os demais eventos perdem força. Nos contos, Aluísio Azevedo tenta utilizar essa mesma abordagem. O resultado, entretanto, não é o mesmo, uma vez que boa parte da narrativa fica, de certa maneira, contaminada por essa excessiva descrição. Tal ênfase cria um problema a mais a ser resolvido na estrutura da história, já que o autor não é capaz de costurar o tecido do texto com a mesma eficácia de um romance — muito em parte pelo tamanho do texto.

De maneira semelhante, um outro problema que se impõe — como que para piorar essa condição — é o fato de que o escritor faz uma seleção de temas no mínimo esdrúxula para alguns contos. É o caso do texto Demônios, que ocupa pouco mais de vinte páginas. Trata-se da história soturna de um jovem que, em uma noite insone, segue em busca de explicações para, nas palavras do autor, os singulares acontecimentos daquela noite. Nada demais a narrativa emular o mestre Edgar Allan Poe. O problema é o fato de Aluísio Azevedo ter emulado a pior literatura que o mestre do conto poderia inspirar. É correto afirmar que o máximo que o escritor maranhense alcançou nessa tentativa foi um Stephen King de quinta categoria. E esse é o texto que abre os Melhores contos. Se na literatura fantástica a tentativa de Azevedo não dá certo, no texto realista a inspiração parece se aproximar por demais de Maupassant em seu fundamental Bola de sebo. Ocorre que o conto Vícios traz ingenuidade em demasia para o escritor que também assinou obras de crítica social sobre o final do Segundo Reinado.

Nesse sentido, se o valor literário destes Melhores contos não está na forma nem no conteúdo, pode-se assegurar que é possível encontrar um pouco dos elementos que motivavam os escritores desse período, ávidos por encontrar uma fórmula ideal para o seu edifício literário. Em relação a Aluísio Azevedo, o alvo maior parece ser o romance. Novamente, não é possível atestar absoluta certeza disso, muito embora as pistas sejam muitas. E isso porque, nos contos, o texto está por demais imaturo para atingir o status de literatura pretendido pelo autor. Nesse caso, o resultado está muito mais próximo de um ensaio, de tentativa e erro, para, enfim, estabelecer produção de maior vulto.

No que se refere à apresentação do livro, o texto de Ubiratan Machado pertence à lavra de quem conhece a obra de Aluísio Azevedo, bem como de seus contemporâneos. A edição, por sua vez, comete o ato falho de credenciar o escritor maranhense pelo conjunto da obra, mas o bom leitor há de perceber que os elogios pinçados aqui e acolá estão vinculados aos romances e não necessariamente aos contos. Enfim, se o objetivo era mostrar um escritor no brilho de sua forma, o que se lê é um Aluísio tímido e demasiadamente pálido.