Provocar estranhamento é profissão de fé de Tony Monti. Escrever um conto, para esse autor paulista, é vislumbrar e se embrenhar por veredas ainda virgens, ou então pouco transitadas. Se a tradição existe, Monti a conhece, mas quer, ele mesmo, reescrever uma nova possibilidade e, se o tempo quiser, poderá (quem sabe?) essa prosa vir a ser uma nova tradição. Mas isso é bossa pro futuro.
O cinema é item, elemento, cenário, recurso que está direta e indiretamente assimilado, deglutido e processado em alguns dos 16 contos deste Exato acidente. Mas Monti não faz prosa para ser adaptada para a tela grande. A ficção montiana é para ser lida, talvez até em alta voz, sobretudo em silêncio. O trabalhar a palavra, com a perspectiva do silêncio, é missão do autor: “Ana Clara é a mulher mais bonita deste mundo. Não conheço outros mundos.”
O imaginário do autor abre espaço para oníricos ou surrealismo que sejam, e porta aberta, chegam cães, tigres, árvores, mestres, mendigo à beira de um Tietê qualquer, amantes que esquecem de tudo e mesmo do risco de morte que representam os candirus, ora direis, ouvir Tony Monti. Ora Anas, tantas que surgem nestas linhas montianas, ora cinema que enovela as vozes narrativas de Monti: “Ana não vai ao teatro porque no teatro pode-se ver o cuspe do ator, sentir o cheiro das coisas. Não o cuspe proposital: o cuspe que escapa. No teatro, pode-se ver o pó que não é elemento de cena. (…) Cinema é mais higiênico.”
Se Augusto Monterroso, e seu célebre menor conto do mundo reza que “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”, Tony Monti e sua personagem recorrente conversam com autor da Guatemala: “Quando Ana acordou, a lesma ainda estava lá”. Monti mergulha em referências e não deixa rastros muito óbvios, nem no mar, céu, terra, fogo — eis que o prosador escreve, abre, inaugura uma avenida personalíssima para fazer passar a sua banda, seus personagens, sua ficção enfim.
O burburinho aumenta e as páginas de Exato acidente se aproximam do fim, e não há happy end em nenhum desses contos nada exemplares que esse autor engenhou. Se é possível dançar mesmo sem saber, “Errabundos” se faz o ponto incomum desta linha montiana: uma história desconstruída, onde final está no início, o meio é outra coisa e o fim desse jogo de amarelinha de Osasco é mesmo um jogo-conto de monta, desmonta, tudo é possível na ficção se o seu nome é Tony Monti.