Tomo um táxi na avenida Copacabana rumo a Botafogo, onde moro. Anoitece. O trânsito está lento. “O senhor, por favor, pegue o Túnel Velho”, tento ajudar. O motorista não responde. Parece que nem me ouviu. “Depois, tome a Dona Mariana”, eu continuo. Falo por falar. Tudo automático, tudo igual. Também eu estou exausto.
As luzes das vitrines e os faróis dos carros perfuram as janelas. “Brasil, ame-o, ou deixe-o”, um adesivo, afixado na lateral de um ônibus, ordena. Vivemos dias tensos, embora monótonos. Na redação de revista em que trabalho, reina o desânimo. Trabalhamos sem pensar e, o pior, sem nada esperar. O tempo se imobilizou. A repetição nos faz andar em círculos. Somos zumbis.
Apesar disso, não deixo de ser um homem de sorte, eu penso. Na desolação, meu trabalho me conserva de pé. Ainda devaneio quando vejo a rua Figueiredo de Magalhães, que dá acesso ao Túnel Velho, passar à minha esquerda e ficar para trás. “Parece que o senhor se enganou de caminho”, digo. Tento ser delicado: “A essa hora, ficamos sempre confusos”. Mais uma vez, ele nada responde.
Ainda espero por uma explicação, quando o motorista dá uma freada brusca em plena avenida. Simplesmente para, como se estivéssemos em uma estrada vicinal, ou no meio de um campo em que vacas pastam. Sem pressa, o homem se vira e me diz: “Não se preocupe, vamos corrigir isso logo”. Vamos? Que tipo de cumplicidade, ou parceria, ele espera de mim?
Para meu horror, não sei como, pois simplesmente fecho os olhos, o motorista dá meia volta em direção à Figueiredo Magalhães. O problema é que a avenida tem mão única. E, a essa hora, em meio ao engarrafamento, quase não sobra espaço para qualquer manobra. Mas ele a completa e, dando gritinhos infantis, esbraveja pela janela. “Saiam da frente, seus imbecis”, grita. “Cambada de frouxos, de maricas.” As buzinas dos outros carros não o incomodam. Nada o detém.
Quando enfim abro os olhos, já estamos subindo a Figueiredo de Magalhães. Mas, em vez de se tranquilizar com sua absurda vitória, o homem corre ainda mais. Acelera, buzina, enlouquece. Dá murros no volante, enquanto emite os gritinhos detestáveis. Agarrado a meu banco, unhas fincadas no couro puído do assento, suando frio, nada consigo dizer. Logo nos chocaremos com outro carro, ou talvez com um ônibus, ou com um caminhão de lixo. E tudo acabará — eu penso resignado. Resignado, mas furioso.
Só quando o carro chega a salvo na esquina da Tonelero, elevando a voz em meio a uma orquestra de buzinas, eu consigo dizer: “O senhor está louco?”. Não me dá ouvidos, fura o sinal e acelera. “Não dá para ir mais devagar?” — ainda tento. O motorista solta uma gargalhada. Gargalha, engasga e bufa. “O senhor não estava com pressa? Não queria cortar caminho?” Tudo o que fiz foi pedir que ele tomasse o Túnel Velho. “Pois agora o senhor verá do que sou capaz.”
E corre, desviando de outros carros, fazendo ultrapassagens terríveis, entrecortadas por freadas. “Pode parar o táxi aqui mesmo”, eu grito. “Quero descer.” Nem sei dizer se a voz é minha, ela me sai gasguita, histérica, como uma sirene, ou um alarme de incêndio. Ainda assim, o motorista me ignora. “Já disse que quero descer”, repito, mas ele acelera. Sobe em direção ao túnel como um perdigueiro que desembesta nos passos de sua caça.
“O que o senhor pretende? Quer nos matar?” Solta de novo uma gargalhada profunda, cavernosa. Sua garganta é um vulcão que vai explodir. Enfim, me pede: “O senhor quer olhar para trás, por favor?”. Sem entender o que faço e por que faço, eu me viro. E só aí vejo dois faróis ardentes que se derramam, como lanças, sobre o táxi. Reviro-me para olhar melhor, tento entender. Aos poucos, minha vista se acostuma. É um carro da polícia. Pelas janelas, policiais apontam escopetas em nossa direção.
Já não sei mais o que quero. Quero descer, mas parar o táxi nessas condições seria uma temeridade. Quero que ele corra ainda mais, corra e fuja, mas com isso eu estaria confessando um crime que não cometi. Sinto tufos de espuma saírem do assento e se enroscarem em minhas unhas. Preciso dizer alguma coisa, pois é evidente que o homem está fora de si e faz tudo guiado só por instinto. Mas não sei o que dizer. A verdade é que, seja o que for que eu lhe peça, de nada servirá.
“Pare de olhar”, ele grita. “E se abaixe.” Submeto-me. Os movimentos do carro me jogam de um lado para o outro. Luzes perfuram o interior do táxi. Ou serão espectros? Enfim, entramos no Túnel Velho. Sei que entramos porque o trajeto, de repente, se torna sinuoso e mais escuro. “Por que a polícia o persegue?” — pergunto, como se a resposta, qualquer resposta, tivesse alguma utilidade.
Não responde. Não me ouve mais. Não passo de uma carga abjeta que sacoleja no banco traseiro. Um peso, nada mais. Um pacote de batatas, um engradado de cervejas, uma coisa qualquer. Já não lhe desperto nenhum interesse, ou preocupação. Já não existo. Tudo o que ele deseja é fugir. Escapar, sabe-se lá de que. E agora deslizamos pela Real Grandeza. Às vezes, ele sobe com o carro na calçada e tira rasantes do muro do cemitério. Logo haverá um poste à nossa frente. O desastre é questão de tempo, muito pouco tempo.
Até que, depois de invadir a General Polidoro como um touro desembestado, entramos no largo do metrô. Que está tomado pela polícia. O motorista não tem escolha: freia. Policiais cercam o táxi e ordenam que levantemos as mãos. Somos empurrados até um muro. E ali fico eu, de cara na parede, as pernas bambas, sem entender o motivo.
“Sou apenas um passageiro. Não sei de que esse homem estava fugindo”, argumento. Mas ninguém me ouve. Resmungam. Xingam. Já se preparam para me levar para o camburão, quando um policial mais velho, de cabeça branca, se aproxima. Ele pede, enfim, meus documentos.
Exibo minha carteira de jornalista. “Vai embora, você já tem uma boa história para contar”, ele me diz. Abre um sorriso paterno. Não penso, fujo. Pois só hoje, quase meio século depois, enfim, eu a escrevo. Desde as Mil e uma noites, histórias a contar salvam vidas. E ainda há os que pensam que a literatura não serve para nada.