Trata-se de um livro de contos de difícil leitura, não porque linguagem ou trama seja complexa. Ao contrário: tudo é límpido e bastante conhecido. A linguagem nos lembra aqueles falantes que aprenderam o português culto, decoraram-no e o ensaiaram tanto que se tornaram papagaios de uma língua anacrônica que, quando a ouvimos, ficamos pasmos e constrangidos. As tramas são previsíveis. Por diversas vezes, o autor tenta finalizar os textos de modo a quebrar expectativas, mas, até mesmo aí, ele não consegue escapar aos clichês.
Escrever demanda muita leitura, muito exercício de escrita e pesquisa de linguagem. O que significa pesquisa de linguagem, na prática? A meu ver, trata-se da utilização de todos os recursos estilísticos assimilados durante os processos de aquisição da linguagem literária como fonte de alimentação para um novo processo — o da criação literária.
Freqüentemente, nós escritores não criamos, mas apenas copiamos — cópias diretas, colagens… Ou outras formas de reprodução.
Reprodução: esse é um conceito essencial aqui.
Reproduzir textos pode ser parte do processo de formação do escritor, pode ser uma maneira de se introduzir na linguagem para desfigurá-la, destruí-la, reconstruí-la, negá-la, transformá-la, etc. Mas não pode ser o alvo desejado pelo artista, pois, em se tratando de arte, não podemos nos abster de um elemento essencial: a inovação.
Nos contos de Os caminhantes não há inovação. Tanto forma como conteúdo estão saturados de lugares-comuns. A introdução do conto Os caminhantes é um exemplo da linguagem empolada que abunda em todos os textos: “Eu já estava andando há mais de duas horas. Talvez três. Meus pés deixavam marcas na terra ao longo da estrada, que, por sua vez, deixava marcas ao longo dos meus pés. Tinha sido pior no início, quando o sol estava plantado no meio do céu, fuzilando minha cabeça e a paisagem ao redor. Depois, digo, depois de saber que estava absurdamente longe da estrada onde deveria me encontrar, até que não foi tão desagradável. Andar se tornara tão vital quanto respirar”.
No trecho do conto Balada do vírus residente, temos uma passagem bastante ilustrativa do texto composto de clichês: “A quantidade de tempo que me resta agora é uma mina de ouro num deserto. Precisaria transformá-la numa fonte de água e frescor. A solidão me incomoda menos do que a presença dos meus semelhantes. Por isso, vendi meu carro e comprei um aparelho de som, inúmeros discos e livros que serão doravante os únicos habitantes do meu mundo. Estou num trem sem rumo que pára em todas as estações. Uma dessas será a minha. Sem precisar escolher, meus pés descerão os degraus. Em seguida, acho que o trem vai embora, e, com ele, a estação, a paisagem e a lembrança de que por ali ele passou um dia”.
Mauro Pinheiro demonstra grande domínio da língua culta, mas isso não se traduz em arte literária. Trata-se, na verdade, de preciosismo. É fundamental que ele invista muito mais em seu trabalho para que possa livrar-se da ingenuidade literária; para obter um trabalho significativo artisticamente.
Alguém certa vez me disse: “para se criar de verdade é preciso romper com algo, seja pessoal, seja formal” (Antonio Leal). A frase nunca mais me saiu da cabeça, é um dos parâmetros que utilizo em meus escritos. No caso de Os caminhantes, vejo exatamente o contrário: há excessiva preocupação com a forma acadêmica; há reprodução de tramas exaustivamente exploradas em outros textos, antigos ou atuais. Há total ausência de rompimento.
Não é fácil criticar quando sabemos que o autor deu muito de si para produzir um texto. Mas não posso escapar à obrigação de fornecer ao leitor referências literárias que poderão, ou não, enriquecer sua formação intelectual e estética.