A gaúcha Natalia Borges Polesso não tem certeza de quando foi realmente fisgada pela escrita, mas acabou fazendo dessa prática uma companheira fiel para a vida — as palavras, afinal, preenchem todos seus dias, seja por conta do trabalho ou pelo lazer. A extinção das abelhas (2021), seu romance mais recente, parece alinhado com as ideias que ocupam a cabeça da ficcionista. “Ultimamente, tenho pensando no fim do mundo”, conta. Controle (2019) é sua narrativa de fôlego anterior e com os contos de Amora, de 2015, venceu o Prêmio Jabuti.
• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
A data é imprecisa. Talvez tenha sido na virada do milênio, que também foi uma grande virada na minha vida — entrar na faculdade de Letras, sair de casa, essas coisas. Eu já escrevia antes, sim, mas talvez tenha sido aí que pensei que poderia levar a escrita para a vida de modo mais companheiro.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Preciso das personagens antes de tudo. Seus nomes, gostos, signos, seus desejos e motivações. Nem tudo aparece no texto, mas preciso. Além disso, tenho obsessão com condições de saúde e doença, minhas personagens sempre têm alguma coisa, seja unha encravada ou epilepsia. Ultimamente, tenho pensando no fim do mundo e em modos de narrar que não recaiam totalmente sobre narradores humanos ou tão bem delineados.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Leio todos os dias, por muitas horas. Meu trabalho é basicamente ler e escrever e meu lazer é basicamente cozinhar, comer, beber, andar, ler e escrever, então digamos que o tempo empenhado nesta atividade, seja por trabalho ou prazer, a torna imprescindível para mim.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?
Não posso. Apenas jogaria um livro bem pesado na cabeça dessa abjeção. Mas, hipoteticamente, Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Uma manhã tranquila, 5h30, xícara de café e copo d’água na mesa, democracia reestabelecida, o preço da feira acessível, universidades cheias, bolsas sobrando, editais de arte, gatos e cachorra por perto. É isso.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Leio em qualquer lugar, mas uma boa poltrona não vai mal.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Cumprir o cronograma que, em geral, proponho a mim mesma; resolver um perrengue de tradução; avançar no projeto de livro, por exemplo, definir uma personagem, fazer um fechamento de capítulo bonito. Dá uma paz.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Difícil! Todas as partes têm sua parcela de coisa boa.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
Falta de tempo para se dedicar aos projetos.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Pessoas boas demais tendo zero atenção, porque não estão numa editora tal ou não vivem em uma cidade tal.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Luciany Aparecida.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Isso depende tanto de gosto e momento, mas vejamos conforme o que li recentemente: Morangos mofados, do Caio Fernando Abreu, e As aventuras de China Iron, de Gabriela Cabezón Cámara, respectivamente.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Narradores ou narradoras mal pensados.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Não faço a menor ideia.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Um jacu. Para o próximo livro.
• Quando a inspiração não vem…
Não me preocupo. Dou o tempo que ela precisa, leio, vejo filmes, séries bestas, cozinho, trabalho.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Caio Fernando Abreu.
• O que é um bom leitor?
Aquele que sabe a medida da atenção e da desatenção.
• O que te dá medo?
O capitalismo e o projeto neoliberal.
• O que te faz feliz?
Amores, comida e vinho.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Sempre me pergunto por que continuo escrevendo, por que estou fazendo isso, qual é o sentido, e penso que é justamente esse abismo que se abre à minha frente que me chama para a escrita.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Fora do texto: ter que trabalhar para financiar o tempo da minha própria escrita. Dentro do texto: acertar a medida da coerência e do absurdo.
• A literatura tem alguma obrigação?
Não creio. O compromisso com a ética é de quem escreve.
• Qual o limite da ficção?
Não sei. Penso que não existe ou não deveria existir um limite, tudo vai depender do projeto, como disse antes, da ética.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Até a minha amiga Aline Job.
• O que você espera da eternidade?
Eternidade? Tudo é efêmero, tudo é perigoso, tudo é divinomaravilhoso agora.