Dedicatórias

Crônica inédita de Luis Pimentel
Ilustração: Juliano Soares
01/06/2022

Um amigo, grande poeta, lançou livro e teve a honra de contar com a presença ilustre de Millôr Fernandes.

Tascou lá: “Ao Millôr, com quem muito aprendi”.

O genial humorista, cartunista, escritor, pensador, tradutor e dramaturgo leu a dedicatória ali mesmo e comentou:

— Não aprendeu não.

O poeta ficou a noite toda com a pulga atrás da orelha. Não sossegou enquanto não tirou satisfação:

— Desculpe, mas o que você quis dizer com “Não aprendeu não”?

E Millôr, sorrindo:

— Quis dizer que não tenho o que ensiná-lo, pois não sou poeta. Você, sim, é poeta e dos bons!

Ufa! Que alívio.

***

 O cartunista Jaguar lançou um livro de crônicas, Confesso que bebi, e fez lançamento no bar Bracarense, no Rio de Janeiro.

Para não encarar a fila de autógrafos, o ator Otávio Augusto comprou o seu exemplar, encostou-se ao balcão, pediu um chope e uma caneta, e ele mesmo resolveu o assunto: “Ao grande ator Otávio Augusto, com um abraço do Jaguar”.

No fim da noite mostrou ao autor.

— Como você sabia que eu ia escrever exatamente isto? — perguntou Jaguar.

— Simples: tenho mais de cem dedicatórias iguais a essa em casa…

***

Tá lá na folha de rosto do livro de contos, crônicas e poemas do escritor e compositor Aldir Blanc, Um cara bacana na 19ª (Record), lançado ainda no século passado: “Pro Pimentel, amigo mesmo, desde os tempos do Dreher com o Paulo Emílio…”.

Eu estava com amigos no bar da livraria, todos mais dois pra lá do que pra cá (como no bolero do autor), quando um folheou o volume e estancou na dedicatória:

— O que quer dizer Dreher?— Um conhaque.

— E Paulo Emílio?!

— Um poeta e letrista da MPB, amigo nosso.

Deu um gole profundo e sentenciou, aparentemente sério:

— Nada como um autógrafo para revelar a natureza de um livro.

Todos se entreolharam. Ninguém entendeu nem comentou nada.

*** 

Conhecido meu foi à noite de autógrafos do escritor famoso e ficou intrigadíssimo com a dedicatória: “Ao fulano, a respeito de quem não resta a menor dúvida!”.

Muitos anos se passaram, mas até hoje ele abre o livro, sozinho, relê aquilo e se pergunta: “Que diabo ele quis dizer?!” 

*** 

Uma vez fui autografar exemplares de um livro infantojuvenil chamado O bravo soldado meu avô em um colégio.

O garotinho na fila perguntou:

— Pode dedicar pra mim e pro meu avô?

— Claro. Como é o seu nome.

— Thiago, com h.

— E o dele?

— Vovô!

Luís Pimentel

Nasceu em Itiúba (BA), em 1953. Jornalista e escritor, tem obras publicadas em variados gêneros (romance, contos, poesia, teatro, música e infantojuvenil). Seu livro mais recente é Alguém vai ter que pagar por isso (Faria e Silva).

Rascunho