13.11.1985
Um telefonema ao Drummond apenas para papear. Falar à toa. Contou-me que já se livrou da papelada/arquivo, que já está tudo na Casa Rui Barbosa; que agora se sente mais leve, se livrando das coisas que antes pareciam tão importantes. Fala sempre que está ficando velho, se desinteressando, mas como lhe disse, me parece sempre ágil, ativo.
Contou-me de um desastre de automóvel que teve perto de Palmira (Santos Dumont) quando ia com a família a MG. Ele sangrando na cabeça e o chofer sentado no meio fio, desesperado chorando. Voltaram a Petrópolis e um farmacêutico integralista, saudou-o com um “Anauê” e fez um péssimo curativo que lhe deu febre, etc. Ficou no leito algum tempo, de onde emitia ordens burocráticas para o MEC.
Lembrou-se também de uma sessão espírita em que Vinicius de Morais fingia ser o espírito de Mário de Andrade, até que descobriram o blefe e acabaram com a invocação, o copo, a mesa. Lembrou também que quando Mário de Andrade morreu, não foi com outros a São Paulo, de avião, porque Vinicius disse que teve um sonho sobre um terrível desastre. Então, desistiram todos.
Estava eu lhe lembrando que numa crônica recente, Moacyr Werneck de Castro narrou um desastre de avião em que Vinicius, A. Machado e Moacyr estavam, e escaparam. E que Drummond deveria também estar no avião, mas não aceitou o convite.
(Nota: o que isto teria a ver com o poema Morte no avião?)
02.07.1986
Num jantar na casa do cônsul da Itália, organizado para artistas estrangeiros da “Aída”, Zefirelli (“metteur en scène” dessa ópera) está com seu cão, a que chama Bambino.
Antes havia se dirigido a mim para me cumprimentar diretamente. Achei-o cortês: dirigir-se a um desconhecido para pô-lo à vontade.
De repente, na hora em que nos servíamos todos à mesa, aproxima-se e diz:
— Come sei bello, ahm?! Sei italiano?
— Mezzo a mezzo, il mio nonno, etc., etc.
— Quale parte é italiana, di su, o di giù? Verticale o orizzontale?
E dito isto começou a pentear minhas sobrancelhas com a mão, entusiasticamente.
…O que nos divertiu a mim e aos amigos quando lhes narrei a cantada.
13.3.1988
Antonio Candido e Gilda Mello e Sousa jantam conosco. Começa ele um curso, amanhã, na PUC-RJ sobre o Romantismo. Jantar ameno, amigo.
Gilda contando como foi difícil para ela e suas colegas fazerem curso na USP. Havia qualquer coisa no ar, desconforto, patriarcalismo. Muitas não desenvolveram carreira, por isso. E somava-se a opressão típica do professor francês, como Lévi-Strauss, seco, só se dirigindo aos alunos em francês, sem ajudar em nada a quebrar o gelo. Os alunos sentiam-se caipiras, achavam que o padrão a ser alcançado era tão alto, que muitos fracassaram.
No carro (quando os levei para casa) falando sobre O. de Andrade, ela manifesta o seu desagrado com ele (igual ao meu). Mas Candido, diz, tinha mais paciência com ele. Apesar de agredido, porque o criticou (não gostava de Marco zero), continuou impassível, e o O. A. ficou-lhe grato por não ter virado seu inimigo. Passou a procurá-lo sempre, fazendo questão, cada vez mais, de sua amizade.
Falando das dificuldades da mulher-intelectual, Candido conta que certa vez encontrou-se com Edgar Cavalheiro, que saía de uma livraria revoltado, onde Lygia F. Telles estava sendo “massacrada” por dois outros escritores; e que Edgar confessara que saíra porque senão teria que brigar com eles, que diziam: “Lygia, você é tão bonita, porque essa mania de escrever, de ser escritor?” E falavam tantas coisas que ela começou a chorar…