Sem o frescor da novidade

"Viagem ao país do futuro", da portuguesa Isabel Lucas, reúne textos que investigam o Brasil a partir de obras clássicas e contemporâneas
Isabel Lucas, autora de “Viagem ao país do futuro”
01/05/2022

Viagem ao país do futuro reúne 12 ensaios-reportagens da jornalista portuguesa Isabel Lucas. Anteriormente publicados nos jornais Suplemento Pernambuco e Público, de Portugal, o foco do trabalho é tentar entender o Brasil real a partir de livros clássicos e contemporâneos. O desafio é interessante. O resultado, entretanto, não traz surpresas. São lembrados, entre outros nomes, Euclides da Cunha, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Raduan Nassar, Guimarães Rosa e Dalton Trevisan.

Os textos são majoritariamente ensaísticos. Embora ela entreviste moradores, professores e afins, o foco, aparentemente, está na visão dela, uma portuguesa, sobre o Brasil real. “Será possível conhecer o Brasil através de sua literatura?”, Isabel escreve na introdução do livro. Ela sabe que não, mas encara a viagem mesmo assim. “Perdi-me no país sabendo agora o que sabia quando esta viagem começou: que no fim eu seria derrotada. Continuo com poucas respostas. Sei apenas fazer mais perguntas.”

O título do livro, conforme a autora, vem de uma frase do austríaco Stefan Sweig, que via, no século 20, o Brasil como o país que viria a ser referência. Além dos ensaios-reportagens, há uma espécie de diário de viagem da autora. Ela já havia feito algo semelhante anos antes, quando publicou o livro Viagem ao sonho americano, lançado apenas em Portugal.

Análises
Vários são os livros escolhidos pela jornalista para (tentar) compreender o Brasil. Nada mais significativo que abrir o volume a partir d’Os sertões, de Euclides da Cunha, viajando para o nordeste brasileiro, onde ocorreu a Guerra de Canudos no final do século 19. Em um depoimento, a escritora houve de uma mulher que “Antônio Conselheiro ia ser um Lula da vida”. Ali, ela ainda vê a miséria e, de certa forma, entende como o Brasil está fadado a sempre esperar por algo messiânico.

Ao tentar captar os sentidos de Machado de Assis, ela vai ao Rio de Janeiro; ao falar sobre Dalton Trevisan, viaja a Curitiba; quando aborda Jorge Amado, vai à Bahia, etc. Por serem textos com objetivos semelhantes a leitura me soou cansativa em determinados momentos: é como se ela citasse algo do livro e aí comparasse com a vida real. Depois do terceiro ensaio, sem o frescor da novidade, fica difícil manter o foco.

Há ao menos uma exceção louvável: o texto sobre Raduan Nassar, principalmente porque o autor de Lavoura arcaica dá entrevista. Interessante como o escritor prefere falar de qualquer outra coisa que não literatura — mesmo sabendo que esse será um dos tópicos.

Outro destaque é o texto sobre Milton Hatoum, um dos principais nomes da literatura contemporânea. Juntos, Isabel Lucas e o autor de Dois irmãos passeiam por Manaus, a capital amazonense. A partir dos locais que visitam, a jornalista escreve sobre a obra do manauara e as mudanças do presente nas estruturas do passado.

Para leitores de Jorge Amado, Guimarães Rosa e afins, os ensaios não trazem novidades, mas o livro vale pela proposta.

Viagem ao país do futuro
Isabel Lucas
Cepe
328 págs.
Isabel Lucas
É formada em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa. Seu trabalho jornalístico é focado nas áreas de cultura e viagens.
Victor Simião

Formado em jornalismo e ciências sociais. Atualmente, é secretário de Cultura de Maringá (PR). Criou o clube de leitura Bons Casmurros.

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