Poemas de Maraíza Labanca

Leia os poemas "Futuro do pretérito", "Pressa" e "Ogiva"
Maraíza Labanca, autora de “Partitura”
01/05/2022

Futuro do pretérito

esta ciência selvagem de investigar a força
por dentro dos olhos, como a astros.

então, eu começaria pelos anjos, pelo vento, pela extração
de um perfil no espaço; palavras em francês, baças,
banheiro, lágrimas, os ombros tocados,
o assombro com as pequenas sílabas, os átomos de luz,
a sua, tão minha, atenção aos detalhes:
uma só fatia de lua, na varanda estreita, na pele vincada.

inventamos um jeito de tocar o sagrado,
compusemos o salmo, o cântico largo, em todas as quartas,
os gestos, sem finalidade, e o pressentimento era
de todas as coisas sem pecado.

teríamos dado o acento justo ao lodaçal
da frase, ao juramento em frente à chave,
ao rudimento de tudo que começa
sem margem, dos quadris às escarpas
que sustinham meu peito ferido, tão cheio de vales.

diríamos está frio, e eu prepararia a cama, o café coado,
uma manhã sem susto, algum sono, remendo
na cortina, um infinito pavio e o lance de dados.

a dor no peito se transfiguraria em arrebentação
de alegria, por fora e por dentro,
porque, na agudeza de toda uma vida,
eu lhe daria o meu corpo aliado.

você diria antes e uma vez mais
segura a tarde para mim porque que estou chegando,
desde a música distante dos seus lábios.

agora, tenho medo de que a paisagem, de que o peso
da tarde, soterre os meus braços.

Pressa

não temos mais pressa
mas temos uma coisa imensa
chamada urgência

lembro que você tinha o corpo
quente e nele alguma
coisa ao jeito de gramíneas
de ar livre vento fresco
pluma

lembro que você gostava
da palavra falésias
assim no plural
como se as letras escorregassem
para fora dela

você fazia um penhasco entre
a língua e os lábios para pronunciá-la:
era parecido com o início
do sexo

— eu desejei ser essa palavra.

Ogiva

o corpo de todos
os ângulos inaugura um campo
sonoro, novo, um idioma
velho, a dicção de uma lentidão primeira

se entro na ogiva, sou arrastada — pelos braços —
até as anêmonas, depois das ramas,
anêmonas e algas, a cara
naufragada nos ombros
transformados em escarpas
que escalo

e o meu peito à sua boca, plasmado
como a peça de uma máquina
obturando a morte
com a outra mão

a recorrer a um fora quase
dentro, de uma janela aposta
entre meus dedos, como quem namora
os vãos e os hiatos, que há no nome
próprio, as dunas sem pouso
o mangue

(o amor em colapso, em extremo
por inteiro)

acende e apaga, feito luas no corpo
natal prolongado, farol
dos barcos, a borra, a curva,

o furo do conceito.

Maraíza Labanca

Nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1984. Uma das editoras da Cas’a edições, é autora de Refratário (2012), Rés – livro das contaminações (com Erick Costa, 2014), Partitura (2018), Exceto na região da noite (2019) e A terra O corpo (2021).

Rascunho