Escrever, todos escrevem

Crônica de Luiz Antonio de Assis Brasil
Ilustração: Ramon Muniz
01/05/2009

Há cerca de um mês uma jovem procurou-me com os originais de seu romance inédito para que lhe desse parecer; expliquei-lhe, com bons modos, que se me dispusesse a isso, não faria outra coisa senão ler originais, e acrescentei — e sendo completamente sincero — que eu corria o risco histórico de não dar importância àquele romance que poderia, quem sabe, ser a obra do século. A reação não foi a usual; em vez de enfurecer-se, ela olhou melancólica para seus originais encadernados com uma espiral branca de plástico, e disse que de fato, era muita pretensão dela, publicar um livro quando há tantos rolando por aí. Não li o romance, mas lembrei-me de uma conversa que tive há anos com a saudosa pintora Alice Brueggemann. Falávamos a respeito das dificuldades de nosso trabalho e, em particular, sobre as vicissitudes por que passam os estreantes. Para o artista plástico, o reconhecimento exige um longo aprendizado, exposições coletivas e individuais, matérias na imprensa, etc. Tudo muito difícil. Em dado instante, ela parou de falar e olhou-me com seus olhos cândidos de azul: “Mas acho que para vocês, escritores, é muito mais difícil fazer sucesso”. Perguntei-lhe a razão. Resposta: “Porque, afinal, todos escrevem…”

Há o pensamento feito, talvez importado, de que só se é completo tendo um filho, plantando uma árvore e escrevendo um livro. Assim, escrever um livro inclui-se entre aquelas coisas naturais. Por princípio, todos escrevem — como queria a Alice —, nem que seja um e-mail, um cartão de cumprimentos ou uma “carta do leitor” ao jornal.

Embalado nessas idéias, pode-se pensar que sim, todos escrevem; é preciso, entretanto, reiterar que escrever literatura não é desabafar — que culpa tem o leitor pelos nossos problemas? —, nem é uma forma de ascender socialmente e, muito menos, de ganhar dinheiro. Escreve-se porque é uma necessidade, porque se tem o que dizer, porque não se pode viver sem isso. Escreve-se com a emoção, sim, mas é a emoção filtrada pela razão. Sozinho, o sentimento não escreve nada; é necessário que esse sentimento seja, antes de tudo, literatura. E só será literatura se contiver qualidade estética. E qualidade estética não se herda pelos genes; adquire-se com o tempo, com as leituras, com as vivências, com o escrever e, em especial, com o reescrever.

Ninguém é obrigado a ser escritor, assim como ninguém é obrigado a ser oceanólogo. A competência com a escrita deve ser quanto baste para sermos entendidos. Ser escritor literário é outra coisa.

Escrever literatura não é tarefa para fim de semana ou para as férias. Nem para enfeitar currículo.

Todos rabiscam uma paisagem sobre um guardanapo de papel. Até eu. Ser pintor é outra coisa.

Luiz Antonio de Assis Brasil

É romancista. Professor há 35 anos da Oficina de Criação Literária da PUC-RS. Autor de Escrever ficção (Companhia das Letras, 2019), entre outros.

Rascunho