Plateia de pássaros
Quando solei um jazz
O teatro era vazio
Uma plateia de pássaros
Sorria-me um sustenido
Batiam as asas em palmas
Tão surdas como casacos
Mas eram penas no espaço
Que me aplaudiam suspensas
Nada mais que bicos mudos
Sem pios nem acalentos
Só olhos, plumas, silêncio
Ao meu blue sem instrumento.
…
Plateia de vultos
A plateia parece vazia
Mas está repleta de vultos
Que não se sentam nos bancos
Espreitam-se é pelos fundos
Os vultos não têm ouvidos
Nem línguas nem polegares
Mas abotoam seus fraques
Com as mãos de uma ventania
Nos solos das flautas, choram
Como se houvesse um corpo
Um olho dentro da sombra
Um coração camuflado
A fumaça dos seus cigarros
Afogou as clarinetas
Adernou o naipe dos anjos
Para a mais funda tristeza.
…
Lâmpadas
Passamos a noite eu e ele
acendendo lâmpadas ocas
ele acendia-me a boca
eu clareava seus ombros
Passamos a noite eu e ele
do verão à madrugada
de um quarto para outro tempo
que não este, mas o além
onde moram os invisíveis
Passamos a noite eu e ele
acendendo muitas lâmpadas
para nos vermos no espanto
e descobrirmos quem somos.
…
A flautista sem rosto
A flautista não tem rosto
nem corpo nem vestimentas
apenas um braço de sopro
e melodias suspensas
As aves ficam atentas
para os agudos intensos
quando ela voa às alturas
dos edifícios mais lentos
A flautista só tem ventos
e mais duas mãos acesas
e um par de sandálias pretas
que deslizam pelos cantos
Ela toca o chapéu dos anjos
quando os anjos cantam hinos
que salvariam o mundo
se o mundo fosse um cinema.