Estou na ressaca da leitura de Um passo para Sul, de Judite Canha Fernandes. Digo ressaca porque ainda estou naquela fase de digestão de suas palavras; ainda me encontro nas ilhas que compõem o seu primeiro romance.
A primeira pergunta de chofre que lhe fiz ao conhecĂŞ-la foi se haverá algo de Ămpar na escrita de uma insular, já que a escritora tem esta familiaridade com os territĂłrios cercados pelo mar: nasceu no Funchal e viveu alguns anos nos Açores. NĂŁo obtive resposta, pois, segundo ela, como parte envolvida, nĂŁo guardava distanciamento necessário para responder.
Talvez a resposta nĂŁo resida em quem escreve, mas sim em quem lĂŞ com olhos de ler, e se encontre imerso em histĂłrias. Vivi as quase duzentas páginas deste livro como um verdadeiro ilhĂ©u. Fui mais um personagem que fez o caminho para Sul, senti o cheiro do Atlântico a invadir o meu quarto, em Cascais; a abundância da chuva na minha cara, em SĂŁo TomĂ© e PrĂncipe; a secura do ar e o pĂł na lĂngua, em Cabo Verde, ou ainda aquele que vive no seu prĂłprio rochedo, numa metrĂłpole chamada Lisboa. Mais que isso, fui com Ă‚ngela, JosuĂ©, OlĂvia Maria, e Marilisa o reflexo da solidĂŁo e dos sonhos por cumprir. A solidĂŁo Ă© uma ilha? Ser escritor (ou leitor) Ă© o mesmo que se afirmar como um ilhĂ©u, já que o bilhete que compramos para o etĂ©reo literário Ă© sĂł para um passageiro?
Judite Canha Fernandes, como criadora, do alto da sua insularidade, do resguardo que precisa para escrever, observa do seu ponto isolado em água, os vários cenários que se vão construindo à sua frente; personagens-ilhas que desejam ser promovidos a personagens-arquipélagos-livros.
Confirmo, como leitor, que ninguĂ©m Ă© uma ilha, como escreveu um dia o poeta e pastor anglicano John Donne, mas cada um de nĂłs encerra em si um quĂŞ de alheamento, de solidĂŁo, de isolamento face ao mar de gente e histĂłrias, que chegam e partem em ondas contĂnuas. Posso afirmar, sem margem para dĂşvidas, que todo escritor ou escritora sĂŁo uma ilha quando criam, quando de sua nudez solitária frente Ă folha em branco.

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