Nem todas as histórias de amor são bonitas. Mas nem por isso deixam de ser histórias de amor.
Nem todas as histórias de amor são românticas, com pôr-do-sol ao fundo, num lago manso, ao sabor da brisa que embala carinhos delicados e calorosos. Mas nem por isso deixam de ser histórias de amor.
Nem todas as pessoas vivem histórias de amor. Mas nem por isso deixam de querer que elas aconteçam. Todos querem um amor. Mesmo os que dizem que não. Mesmo os que pensam que ele não virá nunca. Mesmo os que já cansaram de esperar.
Márcia — atriz de 30 anos que conhecemos nas páginas do romance O gato diz adeus, do gaúcho Michel Laub — sonhava com um amor bonito. Queria música suave e cenário laranja e violeta, talvez com um pássaro voando ao fundo. Foi nisso que apostou quando conheceu Sérgio. Escritor e professor mais velho, mais experiente… Ele poderia ser o homem que faria com que sua história fosse luminosa.
Ela não esperava — e ninguém em sã consciência faz isso — que o amor florescesse em meio a tempestades, gritos, segredos, socos, choros. Ninguém sonha com esse tipo de história. Mas a dela foi assim: de um amor doente, obsessivo, dependente. Feio. Que a anulou, que a amarrou e a jogou dentro de um poço escuro.
O amor de Márcia por Sérgio produziu marcas tão absurdamente profundas — e não apenas neles — que é quase impossível entender como aquela cicatriz horrível, estampada na cara, tenha vindo de um sentimento tão sublime, cantado em verso e prosa, e não do ódio, esse demônio. Visto de fora, realmente não parecia amor. Parecia qualquer outra coisa. Até um crime.
Mas a história de Márcia e Sérgio não pertencia apenas a eles dois. Roberto — professor universitário, ex-aluno de Sérgio e terceiro vértice dessa figura — também foi dono de parte dela. Ou pelo menos sentiu ter sido. Ele se viu envolvido numa trama pesada, tensa, cheia de amarras e situações que saíam de seu controle. Foi atraído para lá por conta de um jogo psicológico, sexual, de ódio e de amor. Márcia era depressiva, ansiosa, insegura. Sérgio era arrogante, firme e tinha um segredo guardado à chave. Mas Márcia descobriu e, a partir daí, a relação deles virou um emaranhado de fios, uma teia de aranha. Roberto foi a mosca que pousou ali e serviu para o propósito de todos.
Apesar de O gato diz adeus tratar de um triângulo amoroso, há uma quarta personagem nessa história toda. Uma pessoa que tenta desfazer o nó dos fios emaranhados. E é só isso o que posso dizer.
Toda a trama é narrada pelos personagens em primeira pessoa. Cada um conta sua versão para a tragédia que virou a vida desse grupo. São quatro vozes e nenhuma verdade. Ou quatro verdades em uníssono. Laub trabalhou bem com essa multiplicidade de vozes. O uso da oralidade na escrita, o que deixou o texto mais simples do que os outros do gaúcho, foi um risco, mas funcionou. Aliás, foi o que deixou a trama — um simples caso de triângulo amoroso, tão comum na literatura — mais envolvente, mais forte. O leitor pode tomar partido de qualquer uma das versões. Afinal, não há verdades absolutas. Nada é definitivo. Tudo depende da forma como queremos ver, sentir, ouvir as coisas. Mas não há como sair ileso da leitura. Porque o amor de Márcia e Sérgio — com ou sem a presença de Roberto — é denso, pesado, triste. É o tipo de história que ninguém quer viver.
Mas, como sabemos, nem todas as histórias de amor têm final feliz. Às vezes, o beijo no meio da rua, com a cidade apagando aos poucos ao som de palmas e de sorrisos, não passa de um sonho. E, ao acordar, o beijo não vem. Vem, sim, o enfado, o feio, a humilhação. Até o fim. Seja ele qual for.