O tempo e o nascimento da beleza
Pescoço traçado por finas ondas.
Colo brilhante de linhas e sombras.
Pele fluida revela veias, ossos e movimentos.
Sorrisos se desdobram em vincos infindos.
Fios em raiz reluzem lua e estrela.
Olhos vertem em rumos pelos cantos.
Imagem palavra degradada por partes bestiais.
Me alimento do tempo que em mim não há.
Devoro as mulheres que carregam meu futuro.
Desejo o tempo que se multiplica sobre seus corpos.
São cinquenta os anos gênesis do meu encanto.
Por elas meus olhos inauguram todo dia a beleza.
…
I
Flor sem pele.
Olhos embotados.
Ossos encobertos,
o resto do reverso.
Quem coroou a morte
com tal despeito
a suprimir o solo e o ar?
II
Aparto com dor a distância.
Tantas vezes me suicido.
Pulso rubro feito miragem.
Sem saber, tampouco quis
e sem querer fiz dos meus olhos
minha própria lápide.
…
Pela música uma mulher me toca invadindo com delicadeza o escuro escolhido a dedo. A única luz é pública e não invade minha pele nua tocada pela água. Mulher sem nome, ausente da carne. Fecho os olhos em busca da imagem e ao abri-los me reencontro só. Sinto um amor profundo. Mulher passado, presente, futuro? Mulher espírito? Alguma alma se esbarrou ou veio ao meu encontro. Meu corpo chega, meu corpo vai embora. Ela me olha, eu sinto, eu amo. Me vejo, me sinto, me amo, me toco.
…
Inventário
Mãos aéreas agarradas no medo.
Corpo pendendo sobre o vento.
Lua sob a sombra coberta.
Palavra ferida corre em céu de fogo.
Na incerteza de esconder-se
entre a burca e o corpo.
Sob os olhos da Sharia
o caminho claro para às águas passadas.
Existência se esvai como pássaro em queda.