Há um enigma a ser desvendado. Esse enigma é sugerido pelo pai do narrador e se relaciona com pinturas de Sodoma. O narrador se chama Carlo, é italiano, mas mora em Nova York. Para tentar decifrar o enigma, ele viaja para a Itália, para lugares onde, possivelmente, encontrará pistas que o ajudarão na decifração. Nessa viagem, ele conhecerá uma moça que entende muito de quadros de arte e que será sua parceira na aventura.
O romance O conto do amor, de Contardo Calligaris, é uma aventura trivial. Um passeio turístico por certos lugares da Itália. O narrador esbanja superficialidade, não tem personalidade, é oco, assim como sua namorada, seu pai, sua mãe e todos os outros personagens do romance.
No início pensei que o livro trilharia pelos intricados caminhos da relação pai e filho. Mas logo percebi que o texto não passava de uma casca; dentro dela nenhuma força poética.
Também, no início, me iludi com a linguagem fluente e acessível. Fluência que se esgota em si mesma, porque apenas esconde a falta de vitalidade do texto.
Num segundo momento, minha expectativa se voltou para as pinturas presentes no texto — talvez o autor fosse desenvolver um diálogo com essa outra arte. Mas a expectativa logo se desvaneceu. O narrador sugere uma intimidade quase corporal com os afrescos, mas não consegue realizá-la na linguagem.
Ainda me iludi com a possibilidade de uma paixão transcendente entre narrador e a personagem feminina principal, Nicolleta. Mas a ingenuidade e o rebuscamento dos elos que os unem dão a sensação de artificialismo.
Artificiais soam também as descrições que o narrador faz de si mesmo. Trata-se de um sujeito contemporâneo, burguês, cuja agente de viagens recebe um destaque especial. Toda vez que ele precisa viajar, liga para ela e, a ela, cabe o final do livro: “Sento-me e, embora seja domingo e ela também tenha o direito de descansar, ligo para Karina, a minha agente de viagem. Afinal, foi para momentos como este que ela me deu o número de seu celular”.
Narcisista, o narrador se define: “Na verdade, é assim que eu sou (…) parecido com este horror barroco, complicado sem necessidade, pomposo, falsamente elegante e, sobretudo, atormentado”. Mas não é esse personagem que desfila pelas páginas do romance…
Todas as investidas desta leitora no sentido de achar algo em O conto do amor que superasse o trivial, o lugar-comum, o insosso, foram detonadas por um texto que libera preciosismo cultural e pretensão artística (o autor apela para seus conhecimentos de arte renascentista).
O texto não envolve, no máximo, se insinua como suspense. A temperatura morna dos acontecimentos e dos personagens não me contaminou. Trata-se de mais um livro que entra para o rol da literatura fácil que abunda nas prateleiras das livrarias de shoppings de médias e grandes cidades brasileiras.
E que não se entenda literatura fácil como uma agressão ao autor. Meus comentários se referem ao texto apresentado.
O que temos n’O conto do amor é um texto romantizado, climatizado pela erudição. Um texto que não tem a força vital que impulsiona o leitor para a viagem criativa, que o envolve num acontecimento.
Um bom texto leva o leitor a transcender tempos e espaços e o chama para a grande aventura de penetrar mundos ficcionais, onde, também criador, ele (o leitor) se multiplica em personagens, idéias, imagens e se recria enquanto Ser.
Não basta uma escrita fluente para se chegar a um romance de qualidade. Nem um roteiro mínimo para se chegar a uma história. Um texto artístico quebra estruturas pré-estabelecidas e as reconstrói em si.
Uso a expressão “texto artístico” para distinguir de texto literário, afinal de contas, não é suficiente escrever um livro certinho, com começo, meio e fim, com alguns toques de suspense e passagens melodramáticas para se obter um trabalho de arte.
Falta à literatura brasileira contemporânea autocrítica e sobra pretensão, vaidade. Faltam vida e responsabilidade artística — isso me lembra Bakhtin: “Arte e vida não são a mesma coisa, mas devem tornar-se algo singular em mim, na unidade de minha responsabilidade”.
Onde está o comprometimento com a originalidade? Essa pergunta não cala.