Poemas de Diana Junkes

Leia os poemas "aniversário", "delicadeza insurgente I" e "delicadeza insurgente II"
Diana Junkes, autora de “As razões da máquina antropofágica: poesia e sincronia em Haroldo de Campos””
01/01/2022

aniversário

desabrochar a pele
correr o risco dos cortes
da ternura arrancada
pelo vento das mágoas

oferecer os cílios
à poda
entregues
livres

reerguer a corola dos sonhos
diante dos fósseis do tempo
com a bravura do barro
no chão vermelho

delicadeza insurgente I

recebo tuas cartas
sinto na pele
a pele das sílabas
a ânsia das vogais
a roçar-me os mamilos
os idílios

(daqui ouço o silêncio
este avesso de esperas
que cava melodias)

cada ponto final transporta o desejo
para o que é teu e tão íntimo:
espantos sussurros feridas abertas
mãos que vagarosamente
espalham sal

pelas calçadas
das cidades intangíveis
pelas veredas
do cerrado
onde

o sol.

delicadeza insurgente II

a dor vem quando tudo seca e esturricados
os sonhos incendeiam como o cerrado
por debaixo da terra ardem as raízes
as teias tênues das aranhas os bordados

por dentro quando ao cinza se ajusta a ruína
há sempre a ameaça de alguma árvore por tombar
e então as últimas ilusões soterrarão o ar
uma voz que nunca mais voltará a ser sua
inutilmente tentará calar chamas que rugem
feito perfuratrizes

tomara que nada tolha o seu direito de doer
a dor é oleosa são anos para tirar a graxa
de cada fibra do coração
as brasas dos pulmões

não posso lhe oferecer nada a não ser
detergentes e versos
um tanto do sangue pisado pela própria poesia
pois que a alegria só nasce daí
feito árvore retorcida
carregada da volúpia de existir
custe o que custar
doa a quem doer —
e doemos amor

não posso lhe oferecer nada a não ser
linha agulhas suturas para os rasgos
que para sempre ficarão nas
trilhas ruas pés e rastros

até que no inverno um casaco
alaranjado
lembre você que um dia ainda

o sol

Diana Junkes

Nasceu em São Paulo (SP), em 1971. É poeta, crítica literária e professora de teoria literária na Universidade Federal de São Carlos, onde coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Poesia e Cultura. É autora de As razões da máquina antropofágica: poesia e sincronia em Haroldo de Campos” (ensaio/crítica) e clowns cronópios silêncios, sol quando agora, asas plumas macramê (poesia).

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