aniversário
desabrochar a pele
correr o risco dos cortes
da ternura arrancada
pelo vento das mágoas
oferecer os cílios
à poda
entregues
livres
reerguer a corola dos sonhos
diante dos fósseis do tempo
com a bravura do barro
no chão vermelho
…
delicadeza insurgente I
recebo tuas cartas
sinto na pele
a pele das sílabas
a ânsia das vogais
a roçar-me os mamilos
os idílios
(daqui ouço o silêncio
este avesso de esperas
que cava melodias)
cada ponto final transporta o desejo
para o que é teu e tão íntimo:
espantos sussurros feridas abertas
mãos que vagarosamente
espalham sal
pelas calçadas
das cidades intangíveis
pelas veredas
do cerrado
onde
o sol.
…
delicadeza insurgente II
a dor vem quando tudo seca e esturricados
os sonhos incendeiam como o cerrado
por debaixo da terra ardem as raízes
as teias tênues das aranhas os bordados
por dentro quando ao cinza se ajusta a ruína
há sempre a ameaça de alguma árvore por tombar
e então as últimas ilusões soterrarão o ar
uma voz que nunca mais voltará a ser sua
inutilmente tentará calar chamas que rugem
feito perfuratrizes
tomara que nada tolha o seu direito de doer
a dor é oleosa são anos para tirar a graxa
de cada fibra do coração
as brasas dos pulmões
não posso lhe oferecer nada a não ser
detergentes e versos
um tanto do sangue pisado pela própria poesia
pois que a alegria só nasce daí
feito árvore retorcida
carregada da volúpia de existir
custe o que custar
doa a quem doer —
e doemos amor
não posso lhe oferecer nada a não ser
linha agulhas suturas para os rasgos
que para sempre ficarão nas
trilhas ruas pés e rastros
até que no inverno um casaco
alaranjado
lembre você que um dia ainda
o sol