Atualmente tudo se parece. Em se tratando de arte, o caso se torna ainda mais grave. Quando foge da mesmice, o artista descamba para a bizarrice. A poesia brasileira é o cenário ideal para a proliferação desse maligno inseto: o poetastro. Contra tal ainda não inventaram veneno. Aparentados com cascudas baratas obscuras fazem da poesia brasileira uma das cinco piores do mundo. Sua movimentação acontece sempre em volta do próprio umbigo, repetitivos, cansativos, arrogantes e pretensiosos. Seu similar é o chato (Pthirus pubis).
A arte, ofendido leitor, exige uma concepção rigorosa. Do contrário, as pragas tomarão conta. As exceções, sempre tem esse parêntese, só fazem confirmar a regra. Aos olhos do leitor despreparado valem o mesmo que as baratas poéticas. A poesia brasileira é uma desgraça. Salvam-se, e bem, Luís Augusto Cassas, Ferreira Gullar, Anibal Beça, Fabricio Carpinejar, Tanussi Cardoso, Mariana Ianelli, Gabriel Nascente, Astrid Cabral, Carlos Nejar e Luiz Bacelar. Acabou? Não, tem mais um: Rodrigo Petronio.
O grau de erudição e sofisticação contidos nos poemas de Petronio são complementados com a ausência dos tão comuns laivos de pieguice que invadem a catatônica poesia brasileira. Importante dizer que esse “excesso de qualidade” não torna a poesia de Rodrigo Petronio inacessível ao leitor médio.
O autor coloca o homem, mais precisamente a condição humana, no centro de sua poética e curiosamente se afasta do senso comum que enfadonhamente descreve o ser humano sem a perspectiva do futuro. Petronio não esconde a realidade, muito pelo contrário, parte dela para a luta imprescindível de viver com poesia. A “realidade futura”.
Em Venho de um país selvagem, Rodrigo Petronio não visa um fazer poético fácil, objetivando o senso comum, não se percebe em seus versos o afã de se tornarem populares e conseqüentemente sucesso de público e vendas. Muito pelo contrário, são versos da mais alta relevância, dignificam a poesia e a condição de poeta.
O leitor identificará um eu lírico com as preocupações mais comezinhas, aquelas que afligem inexoravelmente a condição humana. No entanto, esse eu lírico está usando as vestes da formação do autor, o cabedal de conhecimentos que lhe é vasto e condição sine qua non para uma poesia de profundidade e alto valor literário.
É voz corrente que poesia não vende. Daí pode-se concluir que não faça parte dos gêneros de primeira necessidade do público leitor. Tal estigma é resultado da má qualidade reinante na produção atual de nosso país.
Infelizmente, a miséria cultural que nos assola produziu gerações e mais gerações que aprenderam a confundir realidade com literatura, quanto mais próxima do dia-a-dia, tanto melhor. A verossimilhança ganhou um sinônimo: boletim de ocorrência. A poesia se debate nessa caudalosa confusão, mas não morre. Luta para voltar ao autêntico. Oscar Wilde alertou: “Toda má poesia é sincera”. Mas enquanto a maioria dos ditos poetas se perde inventando o já inventado, os poemas de Rodrigo Petronio habitam a profundidade do ser humano. Lá, onde as coisas não chegam a ser, onde o efêmero se faz doer, onde o agora se desfaz e a vida, mesmo que fraca, resiste frente a aridez da grande metáfora que nos sufoca em seus disfarces de realidade.
Rodrigo Petronio alude ao poema sem a ingenuidade característica dos versejadores que assim costumam exagerar no afã de se tornarem “espirituosos e aceitos”. A metapoesia é oxigenada em versos de intimidade incômoda emprestando ao leitor arroubos da perigosa liberdade dos poetas. Vão muito além, passam pela investigação da origem, da origem da vida, da origem da paixão, em última instância examinam a paixão pela vida. Amor, natureza, morte, solidão e força. O moto-perpétuo! Tudo isso, com o engenho da erudição descomplicada, aquela que não humilha tampouco subestima o leitor.
Venho de um país distante é a faceta “nerudiana”, no que isso possa ter de mais significativo, de Rodrigo Petronio, autor, junto com os outros citados, dono de obra de extrema coerência. Ressalte-se que coerência não significa repetição e Petronio é sempre um poeta em incansável evolução.