Ah!, esses mineiros

Painel coordenado por Francisco Iglésias, com Antonio Candido, Maria Arminda Arruda, Otto Lara e eu, para falarmos sobre cinco ilustres ex-alunos da UFMG
01/09/2009

03.09.1988
Vindo de Diamantina. Final do IV Seminário Sobre Economia Mineira (no Cedeplar). Painel coordenado por Francisco Iglésias, com Antonio Candido, Maria Arminda Arruda, Otto Lara e eu, para falarmos sobre cinco ilustres ex-alunos da UFMG: Drummond, Pedro Nava, Guimarães Rosa, Emilio Moura e Hélio Pelegrino.

Casos ouvidos: Candido: num congresso internacional em Gênova, Candido conviveu sete dias com Rosa. Um dia, este lhe diz: “Olha, acho que o Astúrias está querendo o Prêmio Nobel, pois está aqui neste congresso. Fui há pouco a um congresso em Paris, ele estava lá. Outro dia, eu estava em Berlim, ele estava lá, depois estive em Varsóvia, estava lá. O Astúrias não me engana, quer o Nobel”.

Contou também que era íntimo de Emilio Moura. Que quando ia a BH na década de 1940, passavam quase o dia inteiro juntos. Que Emilio até lhe dedicou um livro escrevendo: “Ao AC (ofereço, dedico e consagro) com o desenho de um coração”.

Contou também que quando em 1946 participou do 2º Congresso Brasileira de Escritores, saiu numa noitada com vários escritores e foram dar num dancing onde havia as “taxi girls”. E lá iam eles dançando e pagando por minutos dançados. De repente, uma daquelas moças se levanta, atravessa o salão e entrega uma rosa a Drummond. Espantadíssimo, ele disse: “Para mim?”. Ela respondeu: “Para o senhor”.

Candido achava admirável a intuição daquela mulher da noite.

Otto disse que insistiu muito para Nava ser cronista, mas ele estava se guardando para sua obra. (Isso em resposta a uma ponderação que fiz de que Nava teria sido o maior de nossos cronistas, se o quisesse).

Otto revelando que Emílio Moura morreu em meio a uma gargalhada.

Que ele, Otto, numa noite tomou um porre no Parque Municipal de Belo Horizonte, desgarrou-se e caiu escornado e acabou sendo atendido por alguém que passava. Foi saber depois: era Juscelino Kubitschek.

Narrou isso, em Paris, ao próprio JK quando este estava ali exilado. E conversando com ele, ajudado por Fernando Sabino, ocorreu-lhe perguntar: “O que o senhor fazia no Parque Municipal às 2 da manhã?”. “Provavelmente vinha do hospital, do outro lado”, disse JK reticente.

Foi um bom fim de semana. Candido ficou atento à seresta cantada durante o jantar. Isolou-se, carregando sua cadeira para perto dos músicos, para melhor ouvi-los.

Otto, como sempre, falante e engraçado. Iglésias, idem.

Na volta, quase uma tragédia: o carro em que vinham Candido e Iglésias para Belo Horizonte, chocou-se com uma carreta, que acostada entrou na estrada, à esquerda. A perícia do chofer do carro de Candido/Iglésias os salvou, pois desviou o carro para a esquerda.

Candido e Iglésias sofreram leves escoriações. Iglésias assustou-se (falei com ele por telefone logo que cheguei à noite). Ficou, como disse, uma hora em pânico. Mas no hospital de Gouveia tiraram-lhe a pressão: 8 por 13, e estava ótimo.

Candido manteve-se de bom humor. Dizia: “Seria uma glória morrer com o Iglésias conversando, e assim os dois iriam para o além se encontrar com os amigos”. Depois começou a conjecturar brincando como seria o necrológio no Estadão, no JB, etc., como forma de exorcizar o susto.

Tentei ligar para ele hoje, mas ainda não havia chegado de viagem, e eu não quis assustar Gilda. Preferi não me identificar.

Affonso Romano de Sant'Anna

É poeta, cronista e ensaísta. Autor de Que país é este?, entre outros. A coluna Quase diário foi publicada no Rascunho até fevereiro de 2017.

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