Posso lhe convidar
para “a cup of coffee”
ou se preferir, uma cerveja
nos jardins da Casa Branca
como você fez com aquele professor negro e aquele policial
que equivocadamente se atritaram.
Mas o melhor lugar pra nosso encontro
— é Cartago.
Como dizia Garcia Lorca:
Allí no pasa nada
dos romanos matan siempre
tres cartagineses.
Certamente há lugares mais auspiciosos para se ir
e dialogar. A Cartago,
Massada
ou Numância
se vai para resistir
— morrer.
Na escola (quem sabe até na Palestina e Bagdá?)
nos ensinam 120 anos de “guerras púnicas”
até que na Terceira
DELENDA CARTAGO
Roma sentenciou.
E após três anos de cerco
(como em Stalingrado
quando devorados os cães
já se devoravam os ratos)
fez-se o fiat ao revés:
por seis dias e seis noites hordas de legionários
atravessando arrasados vinhedos e olivais
se revezaram no sucessivo ataque.
Só Scipião Emiliano, o mais voraz
não descansava.
Alcançadas as primeiras casas de Byrsa
lançaram tábuas sobre os terraços
e avançavam
enquanto embaixo os estrídulos das espadas e os alaridos
das mulheres desventradas
— lembravam My Lay.
A fuga era impossível. Até as figuras imóveis dos mosaicos
se horrorizavam. Como uma lagarta incendiada
a história ardia
como no Vietnã
ardia a pele sob napalm.
Foi quando o legionário texano
— indiferente —
disse ao repórter de tevê:
— I’m just doing my job.
E vieram os 10 senadores de Roma
conferir a destruição.
A pilhagem
foi liberada aos soldados,
mas o ouro, a prata, a oferenda aos deuses
e o petróleo
foram prometidos a outros nobres.
Nem Tanit, nem Ba’al
poderiam socorrer Aníbal
e seus 300 elefantes
como não puderam valer
a Asdrúbal — seu jovem irmão
e os que não mais queriam a guerra.
Entre Cartago e Roma
(entre Dido e Enéias)
nunca foi fácil a ambígua relação:
O amor sempre rondou a morte
A morte sempre rondou o amor.
Entendo, enfim, por que os romanos ergueram em toda parte
tantas casas de banho
— era muito sangue a lavar.
Venha, Obama, passearemos aqui pelas ruínas
das Termas de Antonio Pius.
Não há água, não há chuva que lave
tanto remorso petrificado.
Agora, enquanto lhe escrevo, estou em Roma
a dez metros do portentoso Panteon
e olho o crepúsculo tingindo de ouro e sangue
as cúpulas e telhados.
Alguns pombos pousam sobre o templo de Agripa e Adriano
como se saídos da arca de Noé
ou daquele pôster de Picasso.
E eu, Romano, que ontem, em Cartago,
fiz o jejum de Ramadan
e cercado de oleandros e jasmins
contemplei a história dos altos jardins de Sidi Bou Said,
venho a Roma
acertar contas com Catão
e toda prole de Scipião, o Africano.
Você não poderia ficar fora deste assunto, Obama
— you are my man
E depois do que Catão e Scipião
fizeram no Iraque
temo que a próxima Cartago
é o Afeganistão.
Os símbolos e as ruínas me perseguem.
Olho essa Lua islâmica, aquele alfanje afiando sua lâmina
na crispada torre barroca de Borromini.
Temos que conversar, Obama
— you are my man
E o melhor lugar, posto que o mais terrível
é Cartago:
Allí no pasa nada.
dos romanos matan siempre
tres cartagineses.