À beira da política

Marilia Barbosa telefona convidando-me, a pedido de Jorge Amado, para desfilar com ele e seus amigos na Império Serrano, que o terá como tema
01/01/2010

18.01.1989
Marilia Barbosa telefona convidando-me, a pedido de Jorge Amado, para desfilar com ele e seus amigos na Império Serrano, que o terá como tema. A tentação é grande. Mas, apesar da admiração que tenho pelo escritor-obra, acho que ele esteve se envolvendo demais com o poder/Sarney. Poderia ser mais discreto.

25.01.1989
Hoje me telefona a secretária do Ziraldo querendo colocar meu nome num manifesto-telegrama pelos 30 anos da Revolução Cubana. Fui contra. Louvar a revolução hoje é um equívoco. Fidel acaba de fazer um discurso contra a Perestroika. Ele não abre. Hoje não é ontem. Se fosse para mandar-lhe uma carta pedindo abertura, sim.

05.08.1989
Cá em casa esteve John Foster Dulles — filho do outro Foster Dulles, aquele americano que mandava no mundo na década de 1950 e que humilhou JK naquela história do FMI. Chegou dizendo que eu sou o maior poeta do Brasil (que leu nos jornais), e eu lhe dizendo que os jornais mentem muito. Historiador e biógrafo, queria saber uma coisa especifica: sobre o homossexualismo de Lacerda, para a biografia que publicará. Não tenho dados sobre isso. Também ouvi falar. Já não sei mais onde. Lembro-me que Alexandre Eulálio narrou-me algo com algum detalhe, mas já esqueci.

22.04.1994
Em Bogotá, julgando o Prêmio Pégasso de Literatura com Gregory Rabassa (tradutor de J. Amado e García Márquez) e outros. Ele, simpático, sorridente e contando duas célebres piadas do tempo em que trabalhou no Brasil (Fulbright):

1) Voando dos Estados Unidos para o Brasil, quando entrou no espaço aéreo brasileiro, o piloto disse: “Estamos a 10 mil metros de altitude”. O presidente Costa e Silva disse: “Sabia que Brasil era grande, mas não tão alto!”

2) Qual a diferença entre um trem e o Brasil?

“O trem anda pra frente e apita, o Brasil de Costa e Silva”.

Como o Prêmio Pégasso é patrocinado pela Mobil Oil, durante esses dias, fomos conduzidos num carro de luxo completamente blindado, que pertenceu a Somoza, o ditador da Nicarágua. Somoza, no entanto, morreu na explosão de um carro no Paraguai. Este em que andei só ficou pronto uma semana depois de sua morte e a Mobil Oil o comprou.

10.12.1994
Em Berlim para um seminário no Instituto Ibero-americano sobre O Brasil e o século XXI!. À tarde uma temperatura amena de uns 15ºC, saio com Marco Aurélio Garcia, para comer, fazer compras. Andamos uma meia hora conversando, na ida e na volta pela Kurfurstenstrasse até a catedral destruída. Eu, procurando as duas suéteres pretas (para Marina e Fabi), comprando duas pulseiras de relógio, mais 10 CDs (uns 180 marcos), o Marco Aurélio, nisto, uns 300 marcos. Foi bom caminhar, conversar com ele, nome que conhecia vagamente na direção internacional do PT.

Sentados no restaurante do Hertie, self-service, lembramo-nos dos amigos comuns dos anos 1960: Betinho, Gabeira, Juarez de Brito (lugar tenente de Lamarca), Ivan Otero, o CPC, o Violão de Rua. Ele é de Porto Alegre. Durante o exílio no Chile, emprestou ao Teotônio Jr. 500 dólares para complementar a compra de uma bela casa em Santiago. Casa que teve estranho destino, pois quando dezenas de pessoas se exilaram na embaixada do Panamá e não mais ali cabiam, Teotônio propôs ao embaixador comprar-lhe a casa. Depois transferiram os presos para lá. Mais tarde o governo chileno transformou-a na “Casa da Morte” — lugar de tortura e assassinatos.

Sentado estou, fazendo parte desse seminário Brasil no limiar do século XXI, que começou em Heidelberg, quando Marco Aurélio Garcia, súbito, me diz: “Sabia que o Tom Jobim morreu? Em Nova York…”

Fico chocado. Continuam a morrer. Continuamos a morrer nos amigos que morrem. Neste mês foram dois da bossa-nova, Jobim e o Bôscoli. Uma geração alegre, carioquíssima.

Do Ronaldo ficou aquela piada final. Ele no hospital recebendo soro num braço e sangue no outro, dizendo pro Mièle, que acabara de entrar: “Tinto ou branco?”

Affonso Romano de Sant'Anna

É poeta, cronista e ensaísta. Autor de Que país é este?, entre outros. A coluna Quase diário foi publicada no Rascunho até fevereiro de 2017.

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