Poemas de Ana Guadalupe

Leia os poemas "acione o sono" e "aceite a insônia"
Ana Guadalupe, autora de “Relógio de pulso” Foto: Fernanda Valois
01/09/2021

acione o sono

em caso de abandono
acione o sono

não há bocejo delirante
que o inimigo não espante

pelo menos temporariamente
devido ao efeito cômico dos lábios

contra o golpe exato do assassino
um corpo antes levado pelo sonho

no qual você pega tanto impulso
mas voa sempre tão pouquinho

nos dias de martírio
faça o possível para tirar um cochilo

olhando pela janela do carro
com ânsia graças ao movimento contínuo

no auge do inverno
você sabe bem como chamam

use e abuse do sono
como um acessório doado pela prima

aperte de novo o botão soneca
do medo mais terrível

à noite o repouso alcoólico
evita qualquer mal-entendido

antes do final do mau poema
deixe o livro escorregar da cama

a tristeza afinal só faz cócegas
quando vemos a nós mesmos de cima

aceite a insônia

aceite a insônia
como se fosse você a intervenção artística
e houvesse um público atento no quarto
como se a visita de um estranho
morcego lhe trouxesse a resposta
há muito adiada
assanhe a insônia
sondando soluções impossíveis
para as angústias do universo
e especialmente para as suas
sempre mais a suas
assopre a insônia
em séries de seis ou sete
porque assim ela e as pessoas
no recinto ficam mais fresquinhas
você nunca
assunte a insônia
já que todos falam em línguas
mortas por tempo limitado
e o travesseiro continua virado
do avesso o morcego
sorri satisfeito

Ana Guadalupe

Nasceu em Londrina (PR), em 1985. É poeta e tradutora. Publicou os livros Relógio de pulso (7Letras, 2011), Não conheço ninguém que não seja artista (Confeitaria, 2015, com fotos de Camila Svenson) e Preocupações (Edições Macondo, 2019). Traduziu livros de autores como Sylvia Plath, Carmen Maria Machado e Kazuo Ishiguro.

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