Contadora do mundo

Entrevista com Felipe Hirsch
Felipe Hirsch, diretor de cinema e teatro
01/01/2010

O diretor teatral e cineasta Felipe Hirsch nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1972. Muito jovem, mudou-se para Curitiba (PR), onde fundou, em 1993, ao lado do ator Guilherme Weber, a premiada Sutil Companhia de Teatro. Dirigiu, entre outros, os espetáculos Avenida Dropsie, sobre a obra de Will Eisner; Temporada de gripe, de Will Eno (Prêmio George Oppenheimer, 2004, NYC); A morte de um caixeiro viajante, de Arthur Miller (Prêmio APCA de Melhor Espetáculo de 2003); Os solitários (Prêmio APCA de Melhor Espetáculo de 2002); A memória da água (Prêmio Governador do Estado do Rio de Janeiro de Melhor Direção de 2001); A vida é cheia de som & fúria, sobre a obra de Nick Hornby (Prêmio Shell de Melhor Direção de 2000); Estou te escrevendo de um país distante, sobre Hamlet, de William Shakespeare; O avarento, de Moliére (eleita a melhor peça do ano de 2006 pela Veja e pela Folha de S. Paulo); Thom Pain — Lady Grey, de Will Eno; A educação sentimental do vampiro, sobre a obra de Dalton Trevisan; Não sobre o amor, sobre a obra de Viktor Schklovsky (duas vezes vencedor do Prêmio Shell e ganhador do Prêmio Bravo! de Melhor Espetáculo de 2008); e Viver sem tempos mortos, sobre a obra de Simone de Beauvoir. Hirsch também dirigiu, em 2008, o show musical Homenagem a Tom Jobim, com Caetano Veloso e Roberto Carlos, e, em 2009, estreou como cineasta, co-dirigindo, com Daniela Thomas, o seu primeiro longa-metragem, Insolação, selecionado para o Festival de Veneza e livremente inspirado na literatura de russos como Tolstói, Búnin e Turguêniev. Entre os diversos atores que já foram dirigidos por Hirsch estão Paulo Autran, Fernanda Montenegro, Marco Nanini, Guilherme Weber, Marieta Severo, Simone Spoladore, Leonardo Medeiros, Andréa Beltrão, Eliane Giardini, Paulo José e Leandra Leal.

No início de 2006, Felipe Hirsch organizou, juntamente com a banda punk curitibana Beijo AA Força, a compilação Ultralyrics, em memória do poeta paranaense Marcos Prado, editada pela Travessa dos Editores. Felipe também é colaborador das revistas Bravo! e Trip e do jornal O Globo.

• Na infância, qual foi seu primeiro contato marcante com a palavra escrita?
Foi com um livro infantil do Fausto Wolff.

• De que forma a literatura surgiu na sua vida?
Meu prazer em contar histórias me levou a ela.

• Você possui uma rotina de leituras? Como escolhe os livros que lê?
Intensa. Leio muitos livros. Um me leva ao outro. Isso multiplica os caminhos. Leio também, sempre, os russos e os irlandeses.

• Que espaço a literatura ocupa no seu método de trabalho — como diretor de teatro e como diretor de cinema? Dos livros que você já adaptou, o que lhe deu mais trabalho? E o que lhe pareceu mais satisfatório?
O espaço é enorme. O maior talvez. Se não é no resultado final, é, pelo menos, na fase de pesquisas. A adaptação sobre a obra da Simone de Beauvoir para o espetáculo Viver sem tempos mortos — na qual eu só ajudei, pois foi realizada pela Fernanda (Montenegro) — foi a mais difícil. Considero a mais satisfatória Não sobre o amor, sobre a obra de Viktor Schklovsky. A vida é cheia de som & fúria, baseada no livro de Nick Hornby (Alta fidelidade), é muito boa também.

• Cite uma boa e uma má adaptação cinematográfica de uma obra literária. E uma boa e uma má adaptação teatral de uma obra literária.
Vou citar as boas no cinema e tentar esquecer as ruins, ok? Stalker, de Andrei Tarkovsky, baseado em The roadside picnic (Piknik na obochine), de Boris e Arkady Strugatsky; Le mépris (O desprezo), de Jean-Luc Godard, baseado em Il disprezzo (O desprezo), de Alberto Moravia; No country for old men (Onde os fracos não têm vez), de Ethan Coen e Joel Coen, baseado em No country for old men (Onde os velhos não têm vez), de Cormac McCarthy; The ice storm (Tempestade de gelo), de Ang Lee, baseado em The ice storm (Tempestade de gelo) de Rick Moody; e A clockwork orange (A laranja mecânica), de Stanley Kubrick, baseado em A clockwork orange (A laranja mecânica), de Anthony Burgess.

• Você percebe na literatura uma função definida ou mesmo prática?
Ela é a arte mais nobre, sem dúvida. A música também me interessa muito porque é feita, antes, para a emoção. A literatura conta o mundo.

• Como você reconhece a boa literatura?
Ela pode se manifestar de diversas maneiras. Com uma prosa precisa, leve, humorada. Com coragem, razão, emoção. Com idéias, fragmentos de idéias, etc. Mas é sempre uma relação entre o universo do autor e do leitor. Mesmo que o autor não pense nisso. Nela, na boa literatura, o autor sempre falará de coisas muito íntimas. Mesmo as mais distantes.

• Que tipo de literatura lhe parece absolutamente imprestável?
Realmente nenhuma.

• Que grande autor você nunca leu ou mesmo se recusa a ler? Você alimenta antipatias literárias?
Não li ainda vários grandes autores. Nenhum por antipatia.

• Que personagem literário mais o acompanha vida afora?
Desculpe, são alguns. Leopold Bloom, Seymour Glass, Raskolnikov. Arturo Bandini. Alexander Portnoy. Dante. Josef K. O protagonista de Fome, do (escritor norueguês Knut) Hamsun.

• Que livro os brasileiros deveriam ler urgentemente?
A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy, do Laurence Sterne, para entender melhor Machado de Assis. E (o escritor argentino) Roberto Arlt também é desconhecido aqui.

• Como formar um leitor no Brasil?
Conversando sobre literatura.

Luís Henrique Pellanda

Nasceu em Curitiba (PR), em 1973. É escritor e jornalista, autor de diversos livros de contos e crônicas, como O macaco ornamental, Nós passaremos em branco, Asa de sereia, Detetive à deriva, A fada sem cabeça, Calma, estamos perdidos e Na barriga do lobo.

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