Entre panos e lãs
Então, era inverno.
Cobri-me de panos e lãs.
E andava triste — não como homem,
mas como um rouxinol numa tormenta.
Cruzamos agosto.
Setembro é um ovário cheio — de orvalho.
Na janela, agorinha, um chilreio confiado,
o canto mântrico dos anfitriões do dia,
a abertura dos pompons, corolas simples,
o pólen entregue à brisa — a purpurina —,
as veias animais revigoradas.
Acabou a certeza do frio —
logo vem um verão medonho.
A natureza do sul é uma fera, é hostil,
a que sonha matar de intempéries.
Mas por hoje — e alguns dias —,
a terra lateja doce… como a noiva.
…..
Aos teus novelos
Desde o primeiro fio que borda o cerro
vais separando lãs pelas meadas
e, se perdido num mar de novelos,
vejo que fisgas antes as mais largas.
Ao meio-dia, à luz que é tanta e cega,
ao ponto que já não discernes nada,
cerras a pálpebra — é vermelha a treva,
emaranhando anseios pela faca,
com teus moinhos têxteis em batalha.
As ataduras, em suor e lágrima,
vertem teu suco — orvalho novo à terra.
Em persistência desistente erras
até que a ponta rendida é alcançada e
vences o dia num tirão de malha.
…..
Automat (de Edward Hopper)
Quatorze meias-luas, quase cheias,
aos pares, vão, à moda das cadeiras,
atravessando a noite como trilho
ou flocos de vapor do trem perdido…
O aquecedor a óleo, solitário,
aguarda, como um ocre sentinela.
Quem vai dizer que são maçãs de plástico
na fruteirinha que, exibida, espera…
Mas nada iguala à solidão do tampo,
a lua cheia do vazio, do branco…
Estou fazendo companhia a ela.