Famoso pelos densos romances, Fiódor Dostoiévski também foi cronista. A editora 34 reuniu textos do autor russo publicados em jornais no voluma Crônicas de Petersburgo, que acaba de ser publicado. A tradução e apresentação da obra é de Fátima Bianchi, professora do Departamento de Língua e Literatura Russa da Universidade de São Paulo (USP).
Dotado de uma veia aguda de polemista, em 1845 o escritor funda com amigos escritores um jornalzinho humorístico, O Trocista, o qual, proibido pela censura, não chega a entrar em circulação. Dois anos depois, já após o sucesso estrondoso de Gente pobre e a recepção negativa de O duplo, seus romances de estreia, Dostoiévski, então às voltas com dificuldades econômicas, aceita o convite para escrever numa seção dominical do jornal Notícias de São Petersburgo, intitulada “Crônica de Petersburgo”.
Durante muito tempo relegados ao esquecimento pelos críticos e estudiosos, os cinco folhetins publicados entre os meses de abril e junho de 1847, revelam a genialidade do escritor aos 25 anos. Em suas páginas, ele passa em revista com uma verve extraordinária as atrações culturais da última temporada de inverno, zomba das óperas e dos hábitos dos cidadãos petersburguenses, conta casos, anedotas, faz resenhas literárias, ensaia teorias e microficções.
Com um senso de observação fora do comum, o escritor — talvez “o único flâneur nascido em solo petersburguense”, diz ele — mergulha intensamente na alma da cidade e de seus moradores, no período que vai do final do inverno à chegada do verão. Numa escrita ágil, que combina uma ironia afiada e um lirismo comovedor, Dostoiévski introduz o leitor em uma metrópole caótica, inconstante, repleta de construções incongruentes, uma verdadeira miscelânea, mas onde, “em compensação, tudo é vida e movimento”.
Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski nasceu em Moscou em 1821, e estreou na literatura com o romance Gente pobre, em 1846, ao qual se seguiram O duplo (1846) e Noites brancas (1847), entre outros. Após ser preso e condenado à morte pelo regime tsarista em 1849, teve sua pena comutada para quatro anos de trabalhos forçados na Sibéria, experiência retratada em Escritos da casa morta.
Após esse período, escreve Memórias do subsolo (1864), Um jogador (1867), O eterno marido (1870) e uma sequência de grandes romances, Crime e castigo (1866), O idiota (1869), Os demônios (1872) e O adolescente (1875), culminando com a publicação de Os irmãos Karamázov, em 1880. Reconhecido como um dos maiores autores de todos os tempos, Dostoiévski morreu em São Petersburgo, em 1881.