No texto anterior, escrevi aqui que os livros dos autores de lĂngua portuguesa praticamente nĂŁo circulam no nosso prĂłprio espaço, ou seja, entre os diferentes paĂses que usam esse idioma nĂŁo apenas como sua lĂngua oficial e de comunicação nacional, mas tambĂ©m como primeiro veĂculo de comunicação internacional. NĂŁo há mercado, alega-se.
Isso contrasta com um passado relativamente distante, Ă© verdade, mas nĂŁo tĂŁo remoto assim. Os grandes autores portugueses do passado, como Eça, circulavam amplamente no Brasil, tal como os autores brasileiros da primeira metade do sĂ©culo 20 eram muito lidos em Portugal. Quer uns quer outros chegavam tambĂ©m aos atuais paĂses africanos de lĂngua portuguesa, na altura ainda submetidos Ă dominação colonial portuguesa.
No caso dos livros brasileiros que chegavam aos paĂses africanos, alĂ©m da comercialização aberta, alguns deles, considerados subversivos, circulavam de maneira clandestina. Subterrâneos da liberdade, de Jorge Amado, Ă© um desses exemplos. Deixo, pois, uma dica aos estudiosos da literatura ou das relações histĂłricas entre o Brasil e esses paĂses: seria interessante pesquisar como tal acontecia.
Isso nĂŁo sucede mais. Desde logo, os autores dos paĂses africanos de lĂngua portuguesa nĂŁo circulam entre os seus prĂłprios paĂses. De igual modo, os escritores portugueses e brasileiros tambĂ©m nĂŁo circulam, praticamente, em tais paĂses. Quanto Ă circulação de autores africanos em Portugal e no Brasil, de portugueses no Brasil e de brasileiros em Portugal, embora existente, está muito longe do desejável e, vou dizĂŞ-lo, do possĂvel.
Na verdade, estou convicto de que existe um mercado reprimido, que precisa de ser melhor trabalhado, em alguns casos, e mesmo “construĂdo”, em outros. Afinal, o significado de marketing nĂŁo Ă© “fazer mercados”?
Segundo acredito, existem potencialmente, apesar de todos os constrangimentos, mais leitores em todos os nossos paĂses do que aqueles que os nĂşmeros atuais refletem. É preciso descobri-los, atraĂ-los e encontrar maneiras inovadoras de ir ao encontro deles. O assunto tem de ser visto do ponto de vista do mercado editorial (produção) e do mercado livreiro (distribuição).
Nem todos os autores nacionais tĂŞm potencial para que o seu trabalho seja internacionalizado. Mas nĂŁo tenho dĂşvidas de que os leitores africanos de lĂngua portuguesa sĂł teriam a ganhar com o acesso regular a autores portugueses e brasileiros, os portugueses a autores africanos e brasileiros e os brasileiros a portugueses e africanos. As seculares relações histĂłricas e culturais entre os nossos povos justificam-no de modo liminar, Ăłbvio e incontestável.
Os editores precisam, por conseguinte, de pesquisar os autores de todos os nossos paĂses, experimentados ou nĂŁo, que tenham potencial para interessar aos diferentes leitores de lĂngua portuguesa. Por exemplo, há uma sĂ©rie de novos autores brasileiros, alguns deles exilados em Portugal e outros paĂses europeus, que os leitores portugueses tĂŞm de conhecer. Outro exemplo: a lista de escritores dos paĂses africanos de lĂngua portuguesa publicados em Portugal ou no Brasil está longe de esgotar o nĂşmero dos respetivos autores com qualidade literária e viabilidade de mercado nos dois Ăşltimos paĂses.
Como se sabe, o tamanho dos mercados pode inviabilizar a publicação. É o que acontece com os limitados mercados dos paĂses africanos de lĂngua portuguesa, onde nĂŁo parece rentável publicar autores estrangeiros. Mas isso pode ser minimizado recorrendo Ă impressĂŁo por demanda. Entretanto, a solução imediata mais adequada parece ser facilitar a importação de livros de autores da nossa lĂngua comum, o que já tem a ver com o mercado livreiro (distribuição).
O inverso, contudo, nĂŁo Ă© verdadeiro, ou seja, o mercado editorial quer em Portugal quer no Brasil comporta perfeitamente a publicação de autores africanos de lĂngua portuguesa e nĂŁo sĂł (mais do que tem acontecido atĂ© agora). Nesse caso, o que acontece Ă© que tanto as editoras portuguesas como as brasileiras tĂŞm dificuldade em identificar onde estĂŁo e como ir ao encontro dos leitores interessados nas literaturas africanas. É tambĂ©m, portanto, uma maka [problema] de distribuição.
No Brasil, por exemplo, há um enorme interesse na academia por essas literaturas, mas as mesmas ainda não chegam ao grande público. Por outro lado, elas interessam em primeira mão aos leitores afro-brasileiros, por razões naturais, mas serão eles os frequentadores habituais das grandes livrarias e dos ambientes “seletos” onde a literatura é consumida? É preciso, pois, ir ao encontro deles, onde eles de facto estão. O mesmo, com as devidas nuances, ocorre em Portugal, onde as comunidades afrodescendentes estão longe do radar das editoras convencionais.
Em suma, apesar de todos os constrangimentos, o mercado do livro de lĂngua portuguesa Ă© uma realidade que apenas espera ser ampliado e consolidado. Resta saber a quem caberá pĂ´r o guizo no pescoço do gato.
A resposta Ă© simples: a todos. Ou seja, Ă s empresas (editoras, livreiros e outros), Ă academia, Ă mĂdia, Ă s organizações sociais, Ă s iniciativas de cidadĂŁos e a todos os interessados. Os nossos governos tambĂ©m nĂŁo se podem, obviamente, auto-exonerar das suas responsabilidades nessa matĂ©ria.
Confesso, por isso, ter ficado estarrecido com a declaração do ministro brasileiro da economia, justificando a intenção de aumentar a taxação dos livros, pois “sĂł rico Ă© que lê”. O governo do meu paĂs, entretanto, nĂŁo fica muito melhor na fotografia: apesar dos livros tĂ©cnicos e cientĂficos importados pagarem zero de taxas, os livros literários sĂŁo sobrecarregados com 25 por cento, a tĂtulo de taxas alfandegárias.
*** O autor escreve conforme o acordo ortográfico e a variante angolana da lĂngua portuguesa.