Hoje, exausto (a) leitor (a), não vou falar de morte, de crise sanitária, de pandemia. Não que a preocupação tenha deixado de existir – sabemos, você e eu, que a coisa está totalmente fora de controle – mas porque às vezes precisamos parar de correr e tomar fôlego para continuarmos vivos.
Há alguns anos, uma vez por mês, Manuel da Costa Pinto, Heitor Ferraz Mello, Roberto Taddei, José Guilherme Rodrigues Ferreira e este pobre escriba, nos reuníamos no restaurante Itamaraty, no Largo de São Francisco, em pleno centro de São Paulo, para nos deliciarmos com o maravilhoso filé à parmegiana, peça de resistência da casa. Tínhamos nos conhecido na redação do extinto Jornal da Tarde – menos Manuel, amigo de cada um de nós por caminhos diferentes – e aqueles almoços eram uma forma de nos manter próximos e falar sobre algo que realmente nos interessava… comida! (Nós possuímos um outro amor em comum, a literatura, mas quase nunca tocávamos nesse assunto).
Entretanto, o tempo, esse cruel inimigo das gentes, se encarregou de pôr fim àquelas tardes. Continuamos a nos ver ocasionalmente, mas, pouco a pouco, eu mesmo, por razões profissionais, acabei me distanciando – e José Guilherme, morando em São José dos Campos, ficava ainda mais inacessível…
Pois bem, boiaram as lembranças destes almoços, destes amigos, daquelas tardes, outro dia, quando lia O almofariz de Deméter, livro de José Guilherme, recém-publicado pela editora Tapioca. Ele já havia lançado em 2008 o ótimo Vinhos no mar azul – uma viagem gastronômica, vencedor do Gourmand World Cookbook Awards, instituído na França em 2009, no qual misturava hedonisticamente o prazer do vinho, da comida e das palavras. Agora, neste novo livro, percorremos, guiados por suas lembranças, uma “breve geografia de vinhos, afeições, alimentos e apetites”…
Querido (a) leitor (a), que maravilha é nos deixarmos envolver pelo estado de encantamento que cada uma das 328 páginas desta verdadeira enciclopédia do prazer sensitivo nos proporciona. José Guilherme apresenta, como quem nada quer, um determinado prato, ou bebida ou ainda uma sobremesa, e, sem que percebamos, lá estamos num país estrangeiro, percorrendo ruas de cidades desconhecidas, ouvindo explanações de expertos que são artistas e escritores que ali viveram e descobriram comidas e vinhos vetados ao turista apressado. José Guilherme vai alinhavando observações pessoais, de quem também lá esteve, com uma inacreditável erudição – erudição, querido (a) leitor (a), não é ostentação, mas compartilhamento de conhecimento. E tudo servido numa narrativa leve e agradável, mas profunda, que soa estranhamente borgiana… Ah, e ainda somos brindados com imagens de sua coleção, também impressionante, de objetos ligados à arte da cozinha… Sem trocadilho, um prato cheio para quem gosta de comida, de viagens, de literatura, de geografia, de histórias…
(Quando acabei de escrever essas linhas, percebi que boa parte das minhas memórias advém de conversas em torno de mesas de restaurantes… Não que seja um glutão, não sou, mas os restaurantes sempre foram, para mim, lugares de alimentar os afetos. E também me dei conta de que o restaurante Itamaraty, embora tenha chegado a anunciar seu fechamento, mantém-se a duras penas aberto – coisa que não ocorreu com outros 250 mil estabelecimentos, um quarto do total existente no Brasil, que cerraram suas portas no ano passado, incluindo infelizmente o La Frontera, da querida Ana Massochi, que continua, firme, no entanto, com o maravilhoso Martin Fierro…)
Luz na escuridão
Luís Henrique Pellanda, cronista e contista: “Estou para lançar um novo livro de crônicas, pela Arquipélago Editorial. Chama-se Na barriga do lobo e deve sair em maio. Ele reúne textos que publiquei na imprensa nos últimos anos, em ordem mais ou menos cronológica, terminando no início da pandemia, em abril de 2020. Durante o isolamento também escrevi mais um volume de contos, O caçador chegou tarde, que deve ser publicado em breve, embora ainda não tenha data de lançamento”.
Parachoque de caminhão
“Quantos deve haver no mundo que fogem de outros porque não se veem a si mesmos?”
Anônimo autor de Lazarillo de Tormes (1553?)
Antologia pessoal da poesia brasileira
Henriqueta Lisboa
(Lambari, MG, 1901 – Belo Horizonte, MG, 1985)
Orgulho
Pago caro o orgulho
de buscar na vida
aquilo que busco.
Desdenho a fumaça
que oscila no vento:
nas mãos, na consciência
tenho cinza fria.
Às impuras águas
plasma qualquer forma:
e agonizo lenta
com sede nos lábios.
Pago caro o orgulho
de querer perfeita
minha vida efêmera.
(A face lívida, 1945)