Em fevereiro, a paraibana Marília Arnaud levou o Nordeste ao centro dos holofotes literários ao vencer a 5ª edição do Prêmio Kindle com O pássaro secreto. A obra, disponível em formato digital pela Amazon, será lançada pela Record e ganhará edição especial pela TAG. Para a autora, cuja paixão pela palavra surgiu pouco depois de ser alfabetizada, essa “brincadeira” de escrever histórias não iria lhe conduzir ao universo dos escritores. Foi aos 17 anos, após suas primeiras publicações, que Marília se considerou ficcionista — caminho que pretende seguir até o fim da vida, “mesmo que isso signifique nenhuma publicação ou leitura”. Liturgia do fim (2016), Suíte de silêncios (2012) e A menina de Cipango (1994) são algumas de suas obras.
• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Minha paixão pela palavra surgiu muito cedo, poucos anos após ser alfabetizada. Àquele tempo, não me passava pela cabeça que um dia a “brincadeira” de escrever histórias em cadernos pudesse me conduzir ao mundo dos escritores, criaturas que eu enxergava como sagradas. Somente aos 17 anos, quando entrei na universidade, e passei a escrever crônicas e contos para jornais da minha cidade, fui me dando conta de que nada me dava mais prazer do que mergulhar naquele universo de imaginação e palavras.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Passar meses com o (a) protagonista se construindo em mim, numa espécie de simbiose, de maneira que, passo a passo, ele (a) vai se revelando — afetos, desafetos, medos, esperanças, desamparos — e se adensando, e desenrolando sua história. Então, quando julgo que estão prontos para serem narrados, começo a trabalhar com a escrita propriamente dita. Verdade que, muitas vezes, as narrativas tomam um rumo diferente daquele que vinha se delineando mentalmente, e os personagens, absolutos, acabam me atropelando com suas ações inimaginadas.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Um trecho de romance ou um conto, antes de dormir. Mais raramente, poemas.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?
Se a leitura de um único livro pudesse humanizar alguém, eu recomendaria ao presidente Jair Bolsonaro o romance Torto arado, de Itamar Vieira Junior.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Vontade e solidão, se possível, acompanhadas de café.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Leio em qualquer circunstância. Diferentemente da escrita, nada me tira a concentração quando estou lendo um bom livro.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Às vezes, a escrita de um único parágrafo acaba sendo mais significativa do que a produção de três ou quatro laudas; um parágrafo que releva uma imagem em palavras, que fluem no ritmo saboreado pela língua, no ritmo que intuo certo.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
A escrita em si, quando vou arquitetando universos, ações e emoções de personagens, e me entrego ao fluxo da narrativa, à paixão da alma, à voz de que falava São Tomás de Aquino. E quando trabalho a linguagem, buscando dar ao texto uma densidade poética, uma força lírica.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
O maior de todos, a pressa; outro, o desejo de ser original a qualquer custo, e ainda o de agradar a um certo público leitor, por exemplo, a críticos literários. Se o escritor parte desses desejos, é provável que seu livro nasça fraco; na pior das hipóteses, morto.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
O fato de algumas pessoas se interessarem mais pelos escritores do que por seus livros. Assim me parece. Às vezes ouço ou leio julgamentos baseados simplesmente na fala dos autores. O autor pode blefar quando fala de si ou de suas impressões sobre isso ou aquilo. Alguns chegam a ficcionalizar seus processos criativos, e até a própria vida, a fim de torná-la mais atraente a quem os ouve ou lê suas entrevistas. Acredito que o que de fato importa, a verdade autoral, está nos livros, e sobre eles deveria recair a curiosidade de leitores e colegas de ofício.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Lucila Losito Mantovani, Maria Fernanda Elias Maglio, Rosângela Vieira Rocha, Ana Cristina Braga Martes, Davi Boaventura, Chico Lopes, João Saraiva, Leonardo Almeida Filho… Lamento, mas não consigo citar apenas um.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível: S. Bernardo, de Graciliano Ramos. Descartável: todos os recheados de literatices.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Os experimentalismos vazios e presunçosos.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Não faço restrição a nenhum tema. Qualquer um, o mais banal e o mais impactante podem render uma boa história.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Honestamente, não me lembro. Poderia inventar, afinal de contas, sou uma ficcionista, e ninguém poderia me desmentir.
• Quando a inspiração não vem…
Vou ler, enquanto espero ela voltar. E ela sempre volta.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Marguerite Yourcenar. Posso imaginá-la muito lúcida, sábia, assertiva, com um tanto de ternura nos olhos azuis. Passaria horas ouvindo-a falar sobre a infância e adolescência, a relação com o pai, as viagens, os livros que a impressionaram ao longo da vida, as influências, amor, religião, feminismo, etc.
• O que é um bom leitor?
Aquele que sabe ler nas entrelinhas, nos silêncios do narrador.
• O que te dá medo?
A morte dos que amo.
• O que te faz feliz?
O contato com a natureza, especialmente, o campo.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
A certeza de que serei uma ficcionista até o fim da minha vida — se houver saúde para tanto —, mesmo que isso signifique nenhuma publicação ou leitura.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Contar uma boa história, sem abrir mão do cuidado com a linguagem.
• A literatura tem alguma obrigação?
Nenhuma.
• Qual o limite da ficção?
Não há limite para a ficção. A ficção pode tudo. Há uma grande liberdade na criação literária.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Não o levaria a ninguém.
• O que você espera da eternidade?
Às vezes, como agora, nada. Em momentos de fé, o reencontro com os meus mortos, além de uma biblioteca com todos os livros que não vou ter tempo de ler ou reler nesta vida.