Visões da varanda
A árvore, braços hasteados ao céu.
Galhada trêmula anunciando vento.
Entre prédios armada, invisível ornamento
no canteiro da calçada.
Sou árvore, ao deitar os olhos sobre o ser
que cessa em mim a mente assediada.
Meu corpo, descascado em musgos,
folhagem, fungos (fundição).
O ritmo dissonante dos dias dissolve-se
no poleiro retorcido dos pássaros.
Por trás da copa rendada,
paredes, persianas cerradas – sem perfis,
e o céu possível dos que erguem os olhos.
Árvore plantada no corredor de janelas
(onde ninguém se debruça),
senão certas pretas, de pé nos parapeitos,
com seus panos e baldes,
lustrando vidraças ilustres.
Certas pretas, e brancas circenses,
prontas por despencar.
Vejo-as sempre, por entre as ramagens,
dependuradas.
E oro por elas, habituadas ao abismo,
com seus corpos sem gravidade…
ou validade.
Metáfora
Procuram-me palavras sem mãe.
Sabem de mim o dom do leite e do abraço.
O hábito de separar os detritos do alimento.
O amor por cerzir tecidos, descosturar,
refazer tessituras.
Buscam sentidos outros do existir.
Prezam em mim a vocação do desvio,
o viés, a viração.
Querem a desconstrução do olhar nascedouro.
Ressurgir na reinvenção das linhas.
Na parição do espírito, o corpo ressignificado.
Lições da pandemia
Mestres, esses mortos, sem missas de abraços.
Os mortos sem lápides (e seus legados).
Dos amados aos anônimos das trincheiras.
Mestre, igualmente, o medo,
infiltrado nas mãos limpas das manhãs.
Apreendi do tempo o que importa:
O instante é vento e inspira. Expira.
Nenhum calendário brota a Primavera.
E o amor, se adiado, não me espera.
Desencontro ou tempos depois
O passado traz outro ser, no mesmo corpo, transformado.
Onde se esconde de mim quem antes me existia?
Que alma alheia me olha? Para quem olho e não me alio?
O que se foi flutua sem porto, na geografia do nada.
No presente, a mais nítida memória, mente.
O passado é nenhum lugar. Rio exilado do mar.
Do antigo amor, um rosto desconhecido:
o retrato guardado é mais íntimo e querido.