(09/12/20)
Publicado originalmente em 1896, A cruzada das crianças, do francês Marcel Schwob (1867-1905), ganha nova versão em português, da Editora 34, com tradução de Milton Hatoum. O livro recria poeticamente a lendária cruzada das crianças de 1212 rumo a Jerusalém, a partir dos relatos de pessoas ligadas ao evento, incluindo um goliardo, um místico árabe, um leproso e os papas Inocêncio III e Gregório IX.
Cada um dos oito capítulos traz uma versão diferente daquela trágica jornada rumo ao Santo Sepulcro, em narrativas conduzidas pelo texto de Schwob — “angelical e diabólico”, segundo Noemi Jaffe, que escreve a orelha da edição.
No começo do século 13, quando já se anuncia o malogro das Cruzadas, a Europa é sacudida por movimentos milenaristas a demandar novas expedições rumo ao Santo Sepulcro. Em 1212, duas colunas de gente simples — pueri — tomam o rumo de Marselha e Gênova, na esperança de cruzar o Mediterrâneo e abrir caminho até Jerusalém pela força da fé. O resultado, que não poderia ter sido mais trágico, logo se tornou a matéria-prima de que são feitos os mitos. Poucas décadas depois dos acontecimentos, já se cantava a gesta da Cruzada das Crianças: os pobres de 1212 tinham se convertido nas crianças — pueri, mais uma vez — da lenda.
Muitos séculos mais tarde, o francês Marcel Schwob revisita a lenda em A cruzada das crianças. Não para reiterá-la com devoção ou refutá-la com cinismo, mas para exacerbar a semente de alucinação que dormitava nas fontes medievais. À maneira de um espelho estilhaçado, a História se fragmenta em histórias, em versões: oito ao todo, narradas de pontos de vista distintos e mesmo conflitantes, que dissipam toda certeza e trazem à tona o patético da empreitada.
Mayer André Marcel Schwob nasceu em Chaville, na região da Champagne, na França, em 1867. Seu pai era um intelectual judeu, diplomata, diretor de jornais e amigo de escritores como Flaubert e Gautier. Em 1882 é enviado pela família para estudar em Paris, onde mora com o tio, Léon Cahun, diretor da Biblioteca Mazarine.
Em 1891 publica os contos de Coeur double e conhece Alfred Jarry. No ano seguinte sai seu segundo livro de contos, Le Roi au masque d’or, bem recebido pela crítica, e três anos depois, o Livre de Monelle, que o consagra definitivamente como escritor, sendo elogiado por Maeterlinck e Mallarmé. Em 1896 publica seus dois livros de ficção mais conhecidos, Vies imaginaires e La Croisade des enfants, além de duas coletâneas de artigos. Morreu em Paris, em 1905.