(04/12/20)
Sempre achei que o uso do computador emburrece as pessoas, mas todo mundo que conheço me crucificava, dizendo ser essa opinião somente fruto do preconceito de alguém encerrado em suas convicções ultrapassadas. Mas agora, caro (a) leitor/leitor(a), reafirmarei minha posição baseado em estudo científico — tudo bem que a ciência passou a ser, neste estranhíssimo mundo em que habitamos, uma mera questão de crença, mas, talvez aferrado em minhas convicções ultrapassadas, divido com vocês algumas conclusões, não minhas, um ermitão que há nove meses se recusa a sair de casa e que não interage com o mundo nem pelas redes sociais, mas do neurocientista francês Michel Desmurget, autor do livro A fábrica de idiotas digitais, recém-lançado na França (La fabrique du crétin digital, pela editora Points, ainda sem tradução).
Em excelente entrevista a Irene Hernández Velasco, da BBC News Mundo, Desmurget afirma que, historicamente, pesquisadores vinham observando um aumento gradativo do QI de geração para geração — um negócio chamado Efeito Flynn —, mas que recentemente essa tendência começou a se reverter, ou seja, é a primeira vez que se constata que uma geração apresenta o QI diminuído em relação à geração anterior. Segundo Desmurget, estudos mostram uma relação direta entre maior exposição à televisão e ao videogame e redução do QI e do desenvolvimento cognitivo. As causas, ele explica, podem ser claramente identificadas: diminuição da qualidade e quantidade das interações intrafamiliares, essenciais para o desenvolvimento da linguagem e do emocional; diminuição do tempo dedicado a outras atividades mais enriquecedoras (lição de casa, música, leitura, etc.); perturbação do sono, que é quantitativamente reduzido e qualitativamente degradado; superestimulação da atenção, levando a distúrbios de concentração, aprendizagem e impulsividade; subestimulação intelectual, que impede o cérebro de desenvolver todo o seu potencial; e sedentarismo que, além do desenvolvimento corporal, influencia a maturação cerebral.
O resultado disso: um aumento das desigualdades sociais e uma divisão progressiva da nossa sociedade entre uma minoria preservada desta “orgia digital”, que possuirá, por meio da cultura e da linguagem, as ferramentas necessárias para pensar e refletir sobre o mundo, e uma maioria com ferramentas cognitivas e culturais limitadas, incapaz de compreender o mundo, que aprenderá apenas as habilidades básicas para ocupar empregos técnicos de médio ou baixo nível. Enfim, estamos assinalando para um mundo em que, através do acesso constante e debilitante ao entretenimento, essa maioria aprenderá a amar a servidão.
Agora, leitor/leitora, imagine esse cenário catastrófico aplicado ao nosso querido Brasil, onde as condições socioeconômicas são determinadas ainda no berço — atenção, arautos da meritocracia, não há meritocracia onde vigora o abismo social. Por conta de interesses escusos, a nossa sociedade saiu das trevas do mais profundo analfabetismo diretamente para a cultura audiovisual, sem passar pelo letramento. Em 1970, ou seja, há exatos 50 anos, 34% da população com mais de 15 anos não sabia ler, mas quase um terço dos brasileiros já tinha acesso à televisão, um projeto da ditadura militar visando a unificação do país por meio da “máquina de fazer doido”, apelido carinhoso dado à época, de maneira visionária, pelo cronista Stanislaw Ponte-Preta.
Uma pesquisa do IBGE mostra que em 2016, 97,2% dos lares brasileiros possuíam aparelho de televisão, 45% contavam com computador, 92,6% da população tinha celular — em contrapartida, apenas 4,5% das escolas públicas brasileiras contavam com infraestrutura prevista no Plano Nacional de Educação, que se traduz em acesso a energia elétrica; abastecimento de água tratada; esgotamento sanitário e manejo dos resíduos sólidos; espaços para a prática esportiva e para acesso a bens culturais e artísticos; e equipamentos e laboratórios de ciências. Faltam bibliotecas em 55% das escolas brasileiras e os salários dos professores do ensino público estão entre os piores do mundo, segundo levantamento do Inep.
Ou seja, caríssimos leitores/as: o Brasil é campo fértil para a disseminação dos idiotas digitais e não é à toa que eles estão aí, cada vez ocupando mais espaço na sociedade.
Luz na escuridão
Iacyr Anderson Freitas, escritor: “Estou revisando meu livro de estudo da obra do poeta Ruy Espinheira Filho, intitulado ‘As perdas luminosas’, para uma nova publicação em eBook, já que a anterior, publicada em coedição pela editora da UFBA e Fundação Casa de Jorge Amado, se encontra esgotada. Também estou preparando os originais de um novo livro de poesia, para possível lançamento no próximo ano”.
Parachoque de caminhão
“As pessoas não se importam com a felicidade, mas buscam o prazer. Buscam o prazer mesmo contra os próprios interesses, contra as próprias crenças e opiniões, contra a própria felicidade.”
Hjalmar Söderberg (1869-1941)
Antologia pessoal da poesia brasileira
Joaquim Cardoso
(Recife, PE, 1897 – Olinda, PE, 1978)
Cajueiros de setembro
Cajueiros de setembro,
Cobertos de folhas cor-de-vinho,
Anunciadores simples dos estios
Que as dúvidas e as mágoas aliviam
Àqueles que como eu vivem sozinhos.
As praias e as nuvens e as velas de barcaças
Que vão seguindo além rumos marinhos
Fazem com que por tudo se vislumbrem
Luminosos domingos em setembro,
Cajueiros de folhas cor-de-vinho.
Presságio, amor de noites perfumadas
Cheias de lua, de promessas e carinhos,
Vivas canções serenas e distantes,
Cajueiros de sombras inocentes
Debruçados à beira dos caminhos.
(Poemas, 1947)