Poemas de Maria Cecília Brandi

Leia os poemas "ímã", "mão" e "zoom"
Maria Cecilia Brandi, autora de “A esponja dos ossos”
02/11/2020

ímã

caminhar como ímã
de um polo só
repelir o próximo
sem querer

mover o corpo
até o campo
magnético
ceder

formar as linhas
de força
flutuantes dos
passantes

preencher a rua
com a oquidão
entre o abraço
e a lonjura
há de voltar a ser
escolha
de toda e qualquer
criatura

Maio/2020

……….

mão

craquelê ressecado no dorso da mão
de tanto esfregar água e sabão

no grande sertão onde a água falta
o mesmo desenho sobressalta

não na palma protegida
mas no dorso da mão
escondida na cidade desertada

ver os córregos dos rios nas veias
transbordantes alterar seus cursos
ou nada, tudo em vão

Abril/ 2020

……….

zoom

envelheci nesses quatro
meses confinada
penso no porquê:
pandemia, pandemônio
perda de peso
que fez a pele
do rosto sobrar
ou quem sabe
só estou a reparar
demais em mim
em meu rosto no quadrado
da plataforma de encontros
virtuais
agora para ver os outros
para que me vejam
preciso também me ver
(por que não posso ligar
a minha câmera só para você?)
é algo mais ou menos
como se nos encontros
físicos
os outros diante de mim
dobrassem o cotovelo e
a mão na altura do ombro
carregasse um espelho
(uma espécie de armadilha?)
permanente
na minha direção
e vice-versa
tanto reflexo
dói os olhos

julho/2020

Maria Cecilia Brandi

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ). Poeta e tradutora, é autora de Atacama (2012) e A esponja dos ossos (2018). Doutoranda em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio, é mestre em Estudos da Linguagem pela mesma instituição.

Rascunho