16.01.1986
Publico crônica Ruschi: crônica de uma morte anunciada, retomando o tema de uma reportagem de domingo no JB, onde se dizia que ele estava para morrer, por ter recolhido com as mãos 30 sapos venenosos na Amazônia. É uma crônica emocionada que teve uma resposta imediata. (Eu dizia que não podiam deixar Augusto Ruschi morrer e que os índios que o viram pegar os sapos deveriam saber como curá-lo).
Telefonam-me homeopatas como Reinaldo Collor e Orlando Fernandes dizendo que têm cura para o mal. Telefona Jordão Pereira, que dirige o Jardim Botânico e disse que vai encaminhar ao Sarney pedido para tomar providência. Capitão Sérgio Machado, o “Sérgio Macaco” (aquele do PARA-SAR — Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento), querendo informações para colocar em função os conhecimentos dos pajés da região. Agora Aluisio Pimenta (Ministro da Cultura) para dizer que entrou em contato com o Ministro da Saúde e ambos vão colocar uma junta médica e tudo mais à disposição de Ruschi.
Telefona-me agora Marcus Villaça, de Brasília, dizendo que vinha de avião com o presidente Sarney, quando leu o artigo sobre Ruschi. O presidente Sarney também o leu e mandou o Ministro do Interior entrar em contato com a Funai para achar a erva necessária à cura de Ruschi.
27.01.1986
O episódio Ruschi dominou a manchete dos rádios e jornais toda a semana. O governo trouxe para o Rio os pajés Raoni e Sapaim e também o Ruschi. Encontraram-se no Parque da Cidade, onde mora o sogro de Ruschi. Durante três dias houve sessões de pajelança para extrair o veneno dos sapos do corpo dele. A imprensa presente. Notícia nos jornais americanos e europeus. Já no primeiro dia sai do corpo de Ruschi uma substância verde-amarela, que diziam os pajés, era o veneno dos sapos. Os pajés fumavam, cobriam-se de urucum, passavam as mãos tirando do corpo dele a substância, que chegou a ser vista pelos jornalistas e fotógrafos.
Três dias de fumo, extração do mal e banho de ervas, e Ruschi é dado como curado. Pararam as hemorragias no nariz, pararam as dores e começou a sonhar.
Eu deveria ter ido assistir, mas por uma estranha timidez não me mobilizei.
Domingo, na reportagem final sobre processo de cura, Luis Orlando Carneiro, da sucursal do JB, fez uma crônica dizendo que tudo começou com meu texto, etc.
Ontem à tarde fui à casa do Capitão Sérgio (Macaco) Ribeiro para um jantar onde havia funcionários da Funai e do Ministério do Interior, para conhecer os dois pajés. Entrei, estavam todos em torno de uma mesa onde se comiam vários tipos de carne. Raoni comia com aquele adereço nos lábios. Viu quando entrei, mas depois que me assentei continuou comendo de cabeça baixa os pedaços de galinha. Ele e Sapaim. Não pareciam tomar conhecimento de minha pessoa, e a rigor o capitão Sérgio não lhes explicou direito.
Contudo, depois fomos ao quarto do Sérgio para autografar meu livro, e ali Sapaim viu o retrato de sua filha (que morreu no colo de Sérgio ao tempo em que Sérgio pulou de pára-quedas entre os txucaramaes para evitar uma guerra com os índios tucanos).
Depois fomos para o jardim, e cada um num banco, conversamos. Assentou-se também Acrocoro — semi-índia, estudante de antropologia em Belém. Raoni lembrou como virou pajé. É coisa recente. Um dia uma cobra lhe mordeu. Quando isso sucedeu, ele saiu de seu corpo, aí pegou um pedaço de pau e matou a cobra. Depois ele voltou ao seu corpo, retornou à aldeia e aí um pajé o curou. Mamaé — o espírito — queria que ele fosse pajé. Sapaim diz que foi ele quem fez de Raoni um pajé.
Sapaim conta que quando menino não gostava de pajés. Tinha horror de fumaça. Um dia ouviu a voz de Mamaé chamando-o, ordenando que fosse pajé, mas resistia. Resultado: caiu doente. Ficou vários dias péssimo. Os pajés então se reuniram e um deles comunicou-lhe que ele devia ser pajé. Fizeram a cerimônia da fumaça (idêntica a que fez com Ruschi) . O pajé tirou da perna dele o mal, a doença. Mostrou-lhe a substância retirada, soprou em cima, ela desapareceu. Exatamente como ocorreu com Ruschi.
Pergunto-lhe o que fazer se eu quisesse ser pajé. Dizem que é só eu ir lá no Xingu e fazer a iniciação. Perguntam-me (entre convidando e desafiando): — Você agüenta? Digo: — Agüento.
A idéia me fascina e apavora.
A noite vem chegando, os índios têm que receber um telefonema do Tucumã (o grande chefe). No portão nos despedimos. E o capitão Sérgio durante algum tempo continuou a narrar as fabulosas aventuras de quem viveu na floresta ao tempo do PARA-SAR.
* Augusto Ruschi morreu em 3 de junho de 1986.