Poesia e a luta pelas Diretas

Do comício ao jantar com o governador, com uma pausa para fotos na Av. Paulista
01/11/2010

23. 03.1984
Outro dia, lançamento do disco de J. C. Melo Neto pela Som Livre, na Casa do Bispo. Curioso: não havia escritor, nem acadêmicos, nem o mundo diplomático. Estranho vazio. As últimas entrevistas que ele deu foram um desastre: por exemplo, aquilo de dizer que o escritor não tem nada a dizer depois dos 60.

13.02.1984
Numa entrevista de Octávio Paz ao JB, ele fala de uma porção de coisas idênticas às que eu sinto, prego e escrevo: o lugar do poeta é no meio da cultura. A nossa diferença é que minha poesia fala disso abertamente e a dele não, é metafísica e abstrata.

16.04.1984
Há uma semana, dia 10, foi o glorioso dia do Comício Pró-Diretas na Candelária. Estávamos discutindo como ir, quando me telefona Renato Martins (assessor de imprensa do Palácio) e diz que eu deveria ir para o palanque. À noite, telefona de novo insistindo e sugerindo que eu falasse algo.

Havia aquele desejo do Hugo Carvana de dizer no comício o poema Sobre a atual vergonha de ser brasileiro. Mas o poema é grande. Poderia ter sido uma grande experiência para mim e para a poesia brasileira. Mas na hora sobraram vários oradores como Fernando Henrique, Candido Mendes, Leon Hirszman; e eu com o poema no bolso. Do ponto de vista promocional, para os organizadores do comício, era mais negócio apresentar os artistas da MPB e os da TV.

Lá estava o velho Sobral Pinto, corajosamente, dizendo que tínhamos que respeitar o presidente e as Forças Armadas — era sua resposta a alguns irresponsáveis que radicalizavam seu discurso. Lá, o Hélio Fernandes, o José Aparecido, Otto Lara, Carlos Castello Branco, além dos políticos, artistas e a família de Brizola e Jango.

Voltamos com Teresa Raquel, nossa vizinha. Ziraldo, como sempre alucinado, insistindo que eu deveria tomar o lugar de Vinicius na MPB, que eu era o melhor poeta do momento, que tinha que abrir, que era o poeta do povo, etc.

Com João Bosco, tornamos a falar da hipótese de parceria. Com Fagner, também a mesma conversa. Kate Lyra insistiu que eu deveria compor com Carlinhos Lyra.

Esse foi o maior comício da história brasileira. Esse governo não vai poder continuar ou segurar o que vem por aí.

16.04.1984
A Anistia Internacional me encomenda um poema sobre a tortura. Faço-o trabalhando todo o fim de semana. Quer Judith Patarra que eu o vá dizer dia 9 em São Paulo. Vão fazer um pôster. É um belo desafio que gosto de enfrentar: o trabalho de encomenda, uma prova de técnica e o sentimento.

Na cerimônia da leitura do poema me emocionei. Me dizem que Franco Montoro gostou muito do texto. No dia seguinte, o Paulo Sérgio Pinheiro me e telefona para dizer que o Montoro quer me conhecer e que eu vá jantar com ele dentro de uns 10 dias.

12.07.1984
Fui a São Paulo com Marina (Colasanti) para jantar com o governador Franco Montoro, conforme convite desde que ele leu O operário da utopia. Confesso que estava nervoso. Nunca recebi homenagem nesse nível. Não sou do PMDB, não fiz sua campanha, ao contrário, apoiei o PTD e, às vezes, o PT. Ademais, São Paulo tem os Haroldos e Chamies. Terra dos outros.

Bem que eu havia escrito carta ao Paulo Sérgio Pinheiro que vinha articulando isso tudo, dizendo, cautelosamente, que achava que o governador tinha coisa mais importante a fazer. Mas ele insistiu…

Ao contrário do que pensei, foi tudo manso, quente, fraterno. Presentes, entre outros, Fabio Lucas, Jose Mindlin e esposa, Severo Gomes, Jorge Cunha, Caio Graco e esposa, e até Tarso de Castro, do Pasquim. Montoro conversou comigo praticamente toda a noite. Ele e dona Lucy são pessoas boas, corretas bem intencionadas.

Passei o dia quase todo dando entrevistas no Hotel e no Palácio: Visão, O Estado de S. Paulo, TV Cultura, TV Globo. O jantar atrasou por causa disso. No dia seguinte, entrevista na Rádio Record FM, durante 30 minutos. Lídia Maria — a e entrevistadora — narrou-me que quando foi lido o Poema sobre a vitória/derrota de 25 de abril, pessoas da técnica choraram. E tiveram que remeter o poema para inúmeros ouvintes que telefonaram.

Quando eu era fotografado na movimentada Av. Paulista, as pessoas curiosas, algumas garotas me perguntando se eu era manequim!

Affonso Romano de Sant'Anna

É poeta, cronista e ensaísta. Autor de Que país é este?, entre outros. A coluna Quase diário foi publicada no Rascunho até fevereiro de 2017.

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