Os cães detetives
Os cães detetives
em seus capotes negros
nunca desistem —
farejam dunas, em dupla,
pegam a praia de surpresa
siris telepatas
os cães detetives
mordem a neblina da maresia
investigam
gaivotas suicidas
pesqueiros sinistros
matas que meditam
o mar e seu mantra
o estrondo das ondas
sempre outras
elucidam minhas
pegadas na areia
ondas terroristas
surfistas suspeitos
outros cães
por toda a tarde
em busca de pistas
os cães detetives espreitam
o bege sílex das dunas
a queda kamikaze, vertical
dos mergulhões
e nunca se deixam enganar
são cães detetives caiçaras
soltam pistas que as ondas ocultam
quando explodem
cães sem dono, detetives,
dão seu batente na praia
e sabem ser sacanas também
latindo seus enigmas
pressionando vítimas
ocultos pela restinga
ou disfarçados de humanos
os cães detetives se colocam
na pele de sua presa
e não desistem dos siris
acham seus álibis
nos lábios das ondas
única evidência
a praia e seu colar de pérolas
o mar é testemunha
também se divertem
com o vento sul
orelhas
entre as patas
olhos cerrados de espera
quando do dia retraçam as pegadas
os cães negros detectam
a verdade, peixe podre,
se levantam e seguem
até que a tarde se entregue.
…
Em aberto mistério
A realidade trabalha em aberto mistério
Macedonio Fernández
O Olho
atrás
do que o consome:
essas horas sem nome
e a rapidez das coisas
muito além da linguagem
e da escuridão.
Somos apenas
uma consciência de si
que o olho empresta ao velho ver
ao velho mundo
uma desculpa para ser.
As coisas que ele vê
estão mais distantes
do que possam parecer.
Silêncio: linguagem fala.
a paisagem estala
de realidade.
Pensagem:
no tempo de um relâmpago,
a mente bebe um poente.
essa tem sido a velha lei.
Desconfiar dos espelhos
de espetáculos
e do que os olhos não vêem.
Ser é perceber, dizia Berkeley.
Nem sempre foi assim:
Veja, a um palmo
do paraíso
o olho, fechado, preciso,
avista o Olhar.
Fosfenos relincham
desenhos insólitos
sua sede de mais:
assaltar o real
de dois olhos abertos.
“O vento respira
meus pensamentos sem corpo
(A alma fica sem fôlego)
(Sua meu silêncio)”.
Vê a si, olho, ilha de
puro movimento agora,
limitado entre a língua
e as horas.
Decalca o painel do poente
com sua fome de impossível
refúgio, momentum,
ideogramas de luz.
No olho do furacão
onde ele
é mais tranqüilo.
Duplo de si,
condenado a ver,
mas separado.
Quem observa?
A pupila,
sua serva?
Se o que ele vê
é o real
então o que é isto
que se desloca
com a velocidade de um piscar?
Não sou isso que ele percebe
pois assim a escuridão me mataria.
Entre a música e o mundo
no silêncio de sua curvatura
entre o som e esta chuva
muitas respostas sem perguntas.
O olho, sem passado,
fluxo elétrico
atrás
do que parece ser
ancora suas sombras
arde no instante de ar
Mas, inalcançável,
tudo isso avança,
foge de você, pele,
lento papiro,
Vácuo de voz,
um nada que vocifera
entre o ser que se dissolve
— fresta no silêncio —
e o olhar que lucifera.