Poemas de Antonio Carlos Secchin

Leia "Últimos desejos", "Poema tirado de uma notícia de poema" e "Visita noturna"
Ilustração: Nelson Cruz
30/03/2020

Últimos desejos

Preciso ainda encontrar
o acordeonista da Bulgária
o ventríloquo de Viena
o escafandrista do Marrocos
o sonâmbulo da Somália
o telepata da Patagônia
o míope etíope
a petúnia da Tunísia
o podólogo da Polônia
o apolíneo da Pensilvânia
o filólogo das Filipinas
o cabeleireiro de Galápagos
o cachaceiro de Cochabamba
o mameluco da Malásia
o eunuco de Pernambuco
o esquimó do Senegal
o café do cafetão bairrista
o apicultor de Capivari
o maiô da musa de Marataízes
o caricaturista de Caruaru
o motorista de Cariacica
o passadista de Paracambi
o sonetista da Avenida Augusta
o travesti de Itacolomi
o magnata da Macedônia
o calista de Bagdá
o cartomante de Belo Horizonte
a paranormal de Portugal
o charlatão da Chechênia
o anão albino da Abissínia
o rinoceronte da Romênia
o baobá do ABC
a piranha de Arapiraca
o periquito de Quito
o tico-tico de Tegucigalpa
um dia preciso encontrar
a maritaca de Acapulco
o capataz da Capadócia
e a felicidade

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Poema tirado de uma notícia de poema

João Gostoso era feirante, amasiado com Rosa. Ela não era flor que se cheirasse.
Um dia, cansado das traições, pegou uma pedra que tinha no meio do caminho do morro e a arremessou contra a mulher.
Rosa, rubra de sangue, chamou a polícia. João sumiu. Gostoso se tornou puro desgosto.
Nove anos depois, bêbado, concluiu que era hora de acabar com tudo.
E se atirou, nu, dentro de um poema de Manuel Bandeira.

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Visita noturna

Gosto dos fantasmas
Que morrem de susto frente a um ser humano.
Seus lençóis se arrepiam de medo.
Noite dessas, um deles veio, trêmulo, me visitar:
Dá licença?
Entra, Manuel, você não precisa pedir licença.
Pensei que fosse o poeta Bandeira.
Era o Venturoso rei de Portugal.
No crachá dos fantasmas
Deveria constar o sobrenome.
Poetas e fantasmas têm algo em comum:
Ainda que falem até a exaustão,
Poucos percebem
Que eles existem.

Antonio Carlos Secchin

É poeta, ensaísta, professor emérito da UFRJ e membro da ABL. Em 2017 publicou Desdizer, poesia reunida, editada em Portugal no ano seguinte. Seu livro Percursos da poesia brasileira, do século XVIII ao XXI ganhou o prêmio da APCA para melhor livro de ensaios publicado no país em 2018.

Rascunho